Ao destronado presidente FHC eu chamo
Fernando 2º, pois foi continuador da dinastia fundada por Fernando 1º (o
Collorido) no desmonte do patrimônio público nacional, embora com método
demolidor (o 1º era um aprendiz de feiticeiro). Vocês lembram aquela historinha
de “(Fulana), quem diria, acabou no Irajá”? Irajá é um subúrbio distante do
Rio, o que implica uma decadência de status pra quem morava na Zona Sul. Aliás FHC
nasceu no Rio, mas é tão pouco carioca que foi parar em São Paulo (nada contra
São Paulo, mas é outro espírito). Os de vocês que são mais jovens talvez não se
lembrem de Carlos Lacerda, um comunista que virou ferrenho antiesquerdista, mas
não só isso, ele era basicamente um golpista, que ganhou do meu falecido amigo
Samuel Wainer o apelido de Corvo, do qual nunca mais se livrou. Mas talvez
tenham visto um recente filme sobre os últimos dias de Getúlio Vargas
(interpretado por Tony Ramos). No filme, é notável a cara de Lacerda quando
sabe do suicídio do presidente: ele queria era chutá-lo para fora do Catete, condená-lo,
humilhá-lo. E não se tratava do Vargas ditador. Era o Vargas eleito triunfalmente
para a Presidência da República em 1950.
O presidente eleito alegremente pela maioria
dos brasileiros conseguira criar a Companha Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio
Doce, o BNDES, a Petrobras (começando lá na ditadura). A oposição raivosa
encarnada na UDN de Lacerda (hoje revivida pelo PSDB e sua linha auxiliar) não
podia aceitar essa floração do melhor nacionalismo. Golpe nele! Foi o que
fizeram. Não contavam, porém, com o gesto extremo de Getúlio de sair da vida
para entrar na história. O golpe foi neutralizado naquele momento e teve de
esperar até a grande coceira de macacos de 1964, passando pelo golpe frustrado
de Jânio em 1961. É muito golpe. E ainda temos por aí viúvas do golpe, que querem
anular as recentes eleições e chamar de volta generais-ditadores. Explico a
coceira: Getúlio tinha um irmão, Benjamim ou Bejo, que, quando os generais
estavam agitados além da conta, formados que são no princípio positivista de
que tutelam o país, como quando Dutra e Gois Monteiro deram um golpe em
Getúlio, em 1945, a uns dois meses das eleições já marcadas, Bejo dizia que “os
macacos estão se coçando”.
Voltando a Fernando 2º. Ele disse, quando era
presidente, que veio para acabar com a Era Vargas. Conforme aquele seu princípio
favorito de “Esqueçam o que eu disse”, há alguns meses ele sapecou na
contracapa do segundo volume da sensacional biografia Getúlio, do jornalista Lira Neto, que tinha lido quase de um fôlego
o primeiro volume da trilogia e que o biografado Getúlio “teve a grandeza que
só os estadista possuem”. Ora, pois, pois, e pra que a gana de acabar com a Era
Vargas? Depois das eleições deste ano, que, graças a uma invenção dele, levaram
Dilma Roussef a um segundo mandato, Fernando 2º ficou ainda mais indócil na sua
nova metamorfose, Carlos Lacerda. Daí o título de Fernando 2º virando Lacerda
2º.
Logo após a vitória de Dilma, o saudoso xogum
afirmou que o eleitorado do Norte e Nordeste, segundo ele constituído por
desinformados, consagrou a candidata. Agradeçamos ao pavão por não nos haver
chamado de burros; como disse que os aposentados são uns vagabundos. A cidade
do Rio de Janeiro, uma das mais politizadas do Brasil (daí o ditador-presidente
Geisel ter acabado com o Estado ad Guanabara), e Minas Gerais ficam, por acaso
no Norte ou no Nordeste? Em tanta empáfia não poderia faltar preconceito. Mais
recentemente, Fernando 2º saiu-se com esta pérola: está envergonhado com a
ladroagem na Petrobras. Que vergonha tardia! Ele não se envergonha de ter
querido vender a Petrobras à Standard Oil (Esso), tentando para tanto mudar-lhe
o nome para Petrobrax, mais palatável aos gringos. Não se envergonha de não ter
investigado o afundamento de uma plataforma da estatal, quando a presidia um
querido genro seu. Não se envergonha de ter tido um Procurador-Geral da
República (Geraldo Brindeiro) que era conhecido como Engavetador-Geral. Não se
envergonha de ter comprado votos no Congresso (fato comprovado) para conseguir
sua reeleição via emenda, algo absolutamente estranho a nossas tradições
republicanas. E, last not least, não se envergonha de acusações sérias e
fundamentadas, divulgadas inclusive no livro Privataria tucana, sobre cabeludas maracutaias no processo de
privatização à FHC. A metamorfose lacerdista do xogum continuará a ser examinada
na próxima postagem. Deem uma olhada aí ao lado em “Viver é muito perigoso”.