quarta-feira, 21 de maio de 2014

COMISSÃO DE ANISTIA QUERIA DE MIM UM “ATESTADO DE PRISÃO”...



Vou tentar concluir hoje esta conversa com vocês sobre a duvidosa e tortuosa aplicação da legislação sobre indenizações financeiras a anistiados do golpe de 1964. Conto o que recordo de minha longa espera após haver feito o respectivo requerimento à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (CA-MJ). Enviei minha solicitação de reparação financeira em 2002. Tudo devidamente protocolado. Fiquei acompanhando o andamento pela internet até 2012, quando recebi um ofício informando que eu não tinha direito a indenização por haver retornado à UFPE com base na Lei de Anistia de 1979; mas podia recorrer da decisão. O que fiz explicando que, com a volta à UFPE eu não havia recebido nem um tostão pelos anos passados fora (de 1964 a 1980) e reiterando que minha demissão da universidade em 1964 se baseara em um IPM bisonho e malfeito, considerado como tal mais tarde pelo ministro do Superior Tribunal Militar (STM), general Pery Bevilaqua, acompanhado pela corte. Acrescentei que, sendo injusta a minha demissão, eu merecia aquela indenização e que havia penado muito para ser admitido em outro emprego, prejudicando assim, e muito, minha família. Segundo a nova ordem, não se deveria dar emprego a um subversivo reconhecido e mal visto pelo regime de exceção. Passei um tempo trabalhando precariamente para sucursais de jornais do Sudeste (Correio da Manhã e Folha de S. Paulo) e para a agência de publicidade de Carol Fernandes, a Itaity. Só fui obter um emprego bem remunerado depois que me mudei para São Paulo e depois para o Rio e Brasília.
Mais uns dois anos de espera e finalmente recebo uma comunicação da CA-MJ me informando que eu teria uma insignificante indenização, claro que em nada comparável à de Carlos Heitor Cony e tantos outros que entregaram sua causa a advogados de renome (o que não estava previsto na legislação de indenização). Concluíram que minha punição só havia durado três anos, de 1964 a 1967, quando fui beneficiado por habeas corpus do STM, numa leva capitaneada por Arthur Carvalho, hoje brilhante advogado e jornalista e que trabalhara comigo na equipe do grande Paulo Freire.
O habeas corpus não me reconduziu ao emprego público, mas serviu para me livrar do processo a que vinha respondendo na Auditoria Militar daqui do Recife e que, com a breve decretação do AI-5, em 1968, certamente me levaria às masmorras da “democracia” fardada e a sorte similar á de tantos torturados, mortos e desaparecidos. Outra alegação da CA-MJ é que eu não comprovara o mês de prisão que sofrera em 1964 no QG da 7ª Região Militar. Talvez pretendessem que eu deveria pedir um “atestado de prisão”. A quem, se eu nem sabia quem dera a ordem de prisão? A memória do brasileiro é curta. Quem sabe, meus jovens julgadores da CA-MJ nem saibam que as prisões na época eram arbitrárias e sem nenhuma fantasia de Justiça. Teriam que ser informados e convencidos por bons advogados. Aliás, por pura gozação, eu pedi uma declaração (creio que ao major do IPM da universidade) de que eu passara o mês de agosto de 1964 prestando um tardio serviço militar. Queria justificar minha ausência das aulas que dava às meninas da Escola Normal Pinto Júnior. Claro que eu não usei essa expressão “serviço militar”, que poderia me causar nova prisão.
Estas considerações que venho fazendo ultimamente sobre distorções e absurdos nas indenizações de anistiados mostram como, entre nós, as leis não funcionam de acordo com o espírito que moveu o legislador. Não só nesse ponto das indenizações. As leis que regem as licitações, por exemplo (entre muitas outras), não cumprem sua finalidade. Os resultados das licitações são combinados e conhecidos a priori, todo mundo sabe e isso já foi dito (e provado) muitas vezes; a execução de serviços e obras não é fiscalizada adequadamente. As obras da Refinaria Abreu e Lima, como sabemos, tiveram reajuste de cerca de R$2 bilhões para cerca de R$20 bilhões e continuam engordando empreiteiros. E digo isso independentemente do uso que políticos sem programa e sem credibilidade estão fazendo desse fato para atacar a Petrobras, que eles mesmos querem privatizar a qualquer custo. Como na época da “privataria tucana”, o primeiro passo é desvalorizar a empresa pública que se pretende privatizar.
Acrescentei esta semana mais um capítulo a minha autobiografia tão precoce, falando da minha entrada no Seminário de Olinda em 1944. Eta cabra veio! É o próprio nego veio. Cliquem aí, please, em Viver é muito perigoso, à esquerda de Pauta atualizada.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

BOLSA DITADURA?! SÓ SE FOR PARA ALGUNS PRIVILEGIADOS



Continuando. O jornalista Elio Gasperi, que escreveu uma crônica caprichada dos anos de ditadura, pespegou um apelido infamante à indenização para anistiados criada pelo xogum Fernando 2º (FHC): “Bolsa Ditadura”. Para ele, o anistiado que requereu indenização estava necessariamente arrependido do que pensara no passado e ainda queria ganhar uns trocados para compensar o arrependimento. Coisa de quem só recebeu benefícios dos tempos de ditadura e nada entende da luta de quem acreditava, antes do golpe, que chegara a hora de um Brasil rico para todos, com autonomia diante dos Estados Unidos e outros países desenvolvidos. Desenvolvidos graças à pilhagem colonialista baseada no complexo de superioridade da eurorraça; não cabe somente a Hitler o conceito de raça superior. Aliás, essa conversa de raça é com animais; gatos, cachorros, por exemplo. Com gente é diferente, é etnia.
Quando fui demitido da Universidade do Recife (hoje UFPE) em outubro de 1964, pensei em recorrer à Justiça (mesmo à Justiça descafeinada pela ditadura), pois todos os acusados da universidade tinham sido absolvidos por uma Comissão Geral de Investigações criada pela ditadura logo após o golpe e, além disso, não sendo militar, não tinha por que ser inquirido, julgado e condenado por um IPM (o general Pery Bevilaqua entendeu isso quando nos concedeu habeas corpus no Superior Tribunal Militar, todos do lote encabeçado pelo colega de jornalismo e amigo Arthur Carvalho. Mas logo vi que recorrer à Justiça numa ditadura seria como dar murro em ponta de faca. Diante de tudo isso, acho que tinha direito a entrar na fila da indenização, que compensaria um pouco todas aquelas sacanagens que padeci por obra de milicos entreguistas que se prestaram a servir de tropa de ocupação de uma potência estrangeira.
A questão a que aludi no início destas considerações de falta de critérios para o julgamento dos pedidos de indenização de anistiados e de “advocatização” dos casos tomou ares escandalosos com a concessão ao escritor e jornalista Carlos Heitor Cony, pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, de uma pensão mensal R$23 mil, reduzida a R$19 mil por uma regra que determina como teto o salário do presidente do STF, e mais R$1,14 milhão de retroativos. Para a comissão, a base para tanta generosidade concentrada em um caso foi a profissão exercida pelo beneficiado; tentou estimar qual posto ele poderia ter alcançado na carreira. Quando eu trabalhava no Grupo Manchete, uns sete anos depois do golpe, Cony era uma espécie de guru intelectual e ghost writer de Adolfo Bloch ganhando muito bem. De boas fontes, sabe-se que ele foi o autor do editorial do Correio da Manhã do dia 1º de abril de 1964, sob o título “Basta!”, afirmando que havia chegado a hora de Jango ser derrubado do poder. É verdade que, seguindo o rumo tomado pela sra. Niomar Sodré Bittencourt, proprietária daquele jornal, ele passou logo a combater os desmandos dos golpistas.
Concluo na próxima postagem.

terça-feira, 6 de maio de 2014

DE ANISTIAS, INDENIZAÇÕES E SEUS CRITÉRIOS


Esta semana começo a abordar um assunto cabuloso. Não pelo tema em si, mas por distorções em torno da sua aplicação. Trata-se da discutível aplicação da legislação criada para indenizar financeiramente os punidos pelos atos de exceção da ditadura militar que assolou o país entre 1964 e 1985. Em 1979 saiu a Lei de Anistia, que permitiu a muita gente que requereu voltar para o serviço público e contar como tempo de serviço o período transcorrido entre sua demissão e sua readmissão. Muitos anos depois, no xogunato de Fernando 2º (FHC), esse grande nome do liberalismo démodé e da privataria fez passar uma lei que criava uma indenização em dinheiro para os anistiados que a requeressem. Talvez o nosso ínclito e venerado xogum pretendesse abiscoitar mais uns trocados acrescentando-os aos bens que já havia acumulado prestando serviços a outros países.
A lei não especificava que o pretendente a indenização pecuniária deveria constituir um advogado para acompanhar o pleito, procurar aumentar o bolo, fazer essas coisas que advogados fazem em prol de seus clientes. Assim, mais ou menos em 2001 eu protocolei o meu pedido de indenização à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Eu já havia sido anistiado desde os anos 1980, sendo reintegrado à UFPE, já tinha até me aposentado e trabalhava somente no Jornal do Commercio. Não constituí advogado nem pedi a ninguém para acompanhar o caso lá em Brasília, crente que a coisa fluía normalmente e que os membros da referida comissão julgavam cada caso de acordo com critérios objetivos, à medida que iam chegando a suas mãos. Assim se passaram dez anos, enquanto eu via até eméritos corruptos receberem indenizações milionárias por terem sido cassados ou demitidos.
Um belo dia, recebo um envelopão da Comissão de Anistia me informando de que eu não tinha direito à tal indenização pelo fato de ter sido reintegrado ao serviço público federal. Mas, generosamente, aqueles sábios me diziam que eu poderia recorrer; o que fiz. Expliquei que havia passado 16 anos de punição, minha demissão se baseara num IPM fajuto que foi rejeitado pelo próprio Superior Tribunal Militar (STM) e que não recebera nem um tostão pelos anos de 1964 a 1980. Foi então que me lembrei dos advogados e intermediários que haviam obtido indenizações invejáveis para seus clientes. Quem me valeu para saber o que estava se passando nas mentes iluminadas dos “juízes” daquela comissão e convencê-los de que eu merecia ser indenizado foi o deputado federal João Paulo, a quem agradeço aqui mais uma vez. Finalmente em 2013, uns 12 anos após minha petição inicial, fui contemplado com uma indenização ridícula por supostos três anos de punição, pois, como em 1967 o STM mandara arquivar por incompetência o IPM da Universidade do Recife (primitiva designação da atual UFPE), os membros da comissão que cuidaram do meu caso concluíram que meu calvário só durara três anos. E priu. Continuo, na próxima postagem, estas considerações sobre anistias, indenizações, seus critérios, ou falta de, e o apelido de Bolsa Ditadura que ganharam. Semana passada, não deu pra me encontrar com vocês aqui.