Vou tentar concluir hoje esta conversa com
vocês sobre a duvidosa e tortuosa aplicação da legislação sobre indenizações
financeiras a anistiados do golpe de 1964. Conto o que recordo de minha longa
espera após haver feito o respectivo requerimento à Comissão de Anistia do
Ministério da Justiça (CA-MJ). Enviei minha solicitação de reparação financeira
em 2002. Tudo devidamente protocolado. Fiquei acompanhando o andamento pela
internet até 2012, quando recebi um ofício informando que eu não tinha direito
a indenização por haver retornado à UFPE com base na Lei de Anistia de 1979;
mas podia recorrer da decisão. O que fiz explicando que, com a volta à UFPE eu
não havia recebido nem um tostão pelos anos passados fora (de 1964 a 1980) e
reiterando que minha demissão da universidade em 1964 se baseara em um IPM
bisonho e malfeito, considerado como tal mais tarde pelo ministro do Superior
Tribunal Militar (STM), general Pery Bevilaqua, acompanhado pela corte. Acrescentei
que, sendo injusta a minha demissão, eu merecia aquela indenização e que havia
penado muito para ser admitido em outro emprego, prejudicando assim, e muito,
minha família. Segundo a nova ordem, não se deveria dar emprego a um subversivo
reconhecido e mal visto pelo regime de exceção. Passei um tempo trabalhando
precariamente para sucursais de jornais do Sudeste (Correio da Manhã e Folha de
S. Paulo) e para a agência de publicidade de Carol Fernandes, a Itaity. Só
fui obter um emprego bem remunerado depois que me mudei para São Paulo e depois
para o Rio e Brasília.
Mais uns dois anos de espera e finalmente
recebo uma comunicação da CA-MJ me informando que eu teria uma insignificante indenização,
claro que em nada comparável à de Carlos Heitor Cony e tantos outros que entregaram
sua causa a advogados de renome (o que não estava previsto na legislação de
indenização). Concluíram que minha punição só havia durado três anos, de 1964 a
1967, quando fui beneficiado por habeas corpus do STM, numa leva capitaneada
por Arthur Carvalho, hoje brilhante advogado e jornalista e que trabalhara
comigo na equipe do grande Paulo Freire.
O habeas corpus não me reconduziu ao emprego
público, mas serviu para me livrar do processo a que vinha respondendo na Auditoria
Militar daqui do Recife e que, com a breve decretação do AI-5, em 1968,
certamente me levaria às masmorras da “democracia” fardada e a sorte similar á
de tantos torturados, mortos e desaparecidos. Outra alegação da CA-MJ é que eu
não comprovara o mês de prisão que sofrera em 1964 no QG da 7ª Região Militar. Talvez
pretendessem que eu deveria pedir um “atestado de prisão”. A quem, se eu nem
sabia quem dera a ordem de prisão? A memória do brasileiro é curta. Quem sabe,
meus jovens julgadores da CA-MJ nem saibam que as prisões na época eram
arbitrárias e sem nenhuma fantasia de Justiça. Teriam que ser informados e
convencidos por bons advogados. Aliás, por pura gozação, eu pedi uma declaração
(creio que ao major do IPM da universidade) de que eu passara o mês de agosto
de 1964 prestando um tardio serviço militar. Queria justificar minha ausência
das aulas que dava às meninas da Escola Normal Pinto Júnior. Claro que eu não
usei essa expressão “serviço militar”, que poderia me causar nova prisão.
Estas considerações que venho fazendo
ultimamente sobre distorções e absurdos nas indenizações de anistiados mostram
como, entre nós, as leis não funcionam de acordo com o espírito que moveu o
legislador. Não só nesse ponto das indenizações. As leis que regem as
licitações, por exemplo (entre muitas outras), não cumprem sua finalidade. Os
resultados das licitações são combinados e conhecidos a priori, todo mundo sabe
e isso já foi dito (e provado) muitas vezes; a execução de serviços e obras não
é fiscalizada adequadamente. As obras da Refinaria Abreu e Lima, como sabemos,
tiveram reajuste de cerca de R$2 bilhões para cerca de R$20 bilhões e continuam
engordando empreiteiros. E digo isso independentemente do uso que políticos sem
programa e sem credibilidade estão fazendo desse fato para atacar a Petrobras,
que eles mesmos querem privatizar a qualquer custo. Como na época da “privataria
tucana”, o primeiro passo é desvalorizar a empresa pública que se pretende
privatizar.
Acrescentei esta semana mais um capítulo a
minha autobiografia tão precoce, falando da minha entrada no Seminário de Olinda
em 1944. Eta cabra veio! É o próprio nego veio. Cliquem aí, please, em Viver é muito
perigoso, à esquerda de Pauta atualizada.
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