terça-feira, 29 de dezembro de 2015

“A CULPA NÃO É MINHA; EU VOTEI NO AÉCIO”; NOVES FORA A ÉTICA DUVIDOSA DO NETINHO DE TANCREDO

Gente, continuo revendo “Viver é muito perigoso” e espero entregar a revisão a vocês brevemente. Estou pensando também em acrescentar a estas minhas postagens bissemanais uma postagem exclusivamente sobre economia, que seria escrita por um executivo de grande empresa paulistana. Outra que estou lhes devendo é iniciar, na coluna aí ao lado direito, as transcrições de meus artigos no Jornal do Commercio, coisa que abrange uns 25 anos.
Lendo a última edição deste ano de uma revista que é rebelde à assim dita “mídia nativa” (Carta Capital), descubro uma preciosidade do jornalista João Filho, que mantém na web um perfil intitulado Jornalismo Wando. Desde o ano passado, intensificando-se à medida que essa braba crise vai fustigando o Brasil, uma campanha pretende derrubar a presidente eleita. Arrefeceu um pouco após um freio de arrumação constitucional do STF e a descoberta de que adversários de Dilma, como o presidente da Câmara, o senador Aécio Neves, o xogum Fernando 2º não são exatamente vestais nem varões de Plutarco.
Uma camisetinha de grife destacou-se em manifestações que lembram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em São Paulo, preâmbulo do golpe civil-militar de 1964. Na camiseta lê-se: “A culpa não é minha; eu votei no Aécio”. (O mui politizado Ronaldo Fenômeno usava uma.) A ideia que pretende passar é a de que tudo seria diferente com a eleição do netinho de Tancredo. A culpa pela corrupção (imensa, não há dúvida, mas afinal apurada e punida) é daqueles que  não votaram nesse “bibelô da retidão moral”, como diz João Filho.
O jornalista aponta uma série de fatos (não factoides) a desmentir tanta honestidade. O primeiro é um aeroporto público construído em Cláudio (MG) dentro da fazenda de umm tio de Aécio, com acesso guardado por sobrinhos do então governador. O bibelô da retidão moral usou, quando no governo mineiro, aeronaves oficiais 1.430 vezes, muitas para fins particulares. Só no aroporto do Tio Múcio foram mais de cem pousos e decolagens.
Mas não foi só isso que o grande modelo dos “fora Dilma” fez. Deu caronas, às custas do contribuinte mineiro, a Ricardo Teixeira, o campeão da ética no futebol, José Serra, Ray Whelan (já estve preso em Bangu), Roberto Civita, Luciano Huck, Alexandre Accioly (parceiro de farras), Boni, Sandyjunior, Milton Gonçalves, Zé Wilker, FHC, Roberto Irineu Marinho etc. etc. etc.

Quando critico Aécio, não estou afirmando que o governo de Dilma está sendo uma maravilha. Tá muito ruim. Pode piorar. Pode melhorar. Oxalá! Mas o fato é que ela foi reeleita e, uma vez por todas, temos que respeitar a Constuição e o voto popular. Não podemos alimentar eternamente a cultura do golpe: proclamação da República, Constituição outorgada por Floriano Peixoto, Estado Novo, derrubada de Getúlio (golpe no golpe) às vésperas das eleições de 1945 (os generais fascistoides se vingaram por Getúlio ter se unido aos Aliados na 2ª Guerra Mundial), derrubada trágica de um Getúlio constitucionalmente eleito, em 1954, golpe frustrado contra Jango em 1961, e finalmente aquele golpe que pôs o Brasil em ordem unida por 21 anos, hoje tão homenageado e lembrado nas manifestações dos coxinhas.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

SEM CONSTITUINTE EXCLUSIVA NÃO HÁ SALVAÇÃO

O panorama que conseguimos enxergar para 2016 é bem inquietante, mas temos o direito de esperar que nossos políticos, incluindo a presidente Dilma, criem juízo e funcionem melhor do que neste definhante 2015. O Congresso precisa agir como representante do povo, deixando de lado múltiplas patifarias, aprovando leis que possam nos tirar do atoleiro e elegendo líderes que não estejam implicados em malfeitos, sobretudo o presidente da Câmara, que consegue ser mais cínico na embromação que Paulo Maluf. E a chefe do Executivo não pode continuar esnobando políticos e empresários e ignorando a própria realidade nacional. Não bastará que ela aprenda a governar. Será necessário também que o Congresso a deixe governar.
É igualmente preciso que nós, cidadãos, eleitores, exerçamos nosso direito de vigiar os poderes constitucionais e cobrar deles que cumpram seus papéis, deixando de lado interesses pessoais. Tudo isso só será possível com uma constante e rápida elevação do nível educacional do brasileiro, que, como sabemos e sentimos na pele, ainda é baixíssimo. (Escrevi a propósito recentemente.) Somente aqui na América do Sul, perdemos para a Argentina, Chile, Uruguai. Nossos professores ganham mal, vivem mal e, consequentemente, são desmotivados. Despreparados quase sempre, pois uma simples graduação, sem especialização, reciclagem, não lhes permite o desempenho que seria necessário para elevar o nível geral do ensino.
Acredito que, não só esta elevação da qualidade do ensino, mas a solução de outros tantos demasiados problemas que a afligem o brasileiro só será viável com algumas muletas básicas que nunca tivemos pra valer. Uma delas é uma Constituinte exclusiva (Congresso investido de poderes constituintes nunca funcionou: políticos viciados em privilégios votam uma Constituinte viciada, como eles). Nunca tivemos uma. No pós-ditadura, quase conseguimos. Chegou-se a ter um esboço para servir de base às deliberações, feito pelo jurista Afonso Arinos. Mas prevaleceu a vontade dos políticos profissionais e aproveitadores. Resultado: uma Constituinte com algumas boas determinações, muitas que nunca foram regulamentadas, e a seguir tantas emendas casuísticas que agora ela parece mais uma colcha de retalhos desprestigiada.
Outra é termos, afinal, um pacto federativo. Com o golpe republicano (que país para gostar de golpe!), as províncias do Império, com pouquíssima autonomia, foram transformadas, num passe de mágica, em Estados extremamente dependentes do poder central. Jantaram a federação. E, como Pedro 1º havia feito no passado, o sanguinário Floriano Peixoto mandou os constituintes para casa e outorgou ao país uma Constituição a sua imagem e semelhança. Essa usurpação da vontade popular continuou depois da Revolução de 1930, no Estado Novo, em 1946, durante a ditadura de 1964-85, na redemocratização à la Sarney-Collor. O resultado é que hoje ser congressista virou um bom negócio e há uma boa quantidade de malandros disfarçados de representantes do povo. Assim não dá.

Como convocar uma Constituinte exclusiva? Creio que haverá maneiras legais de se fazer isso, por iniciativa popular ou, quem sabe, da Presidência da República. Com a palavra os juristas.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

VINTE SÉCULOS DE CRISTIANISMO. E O EVANGELHO?

"Adeste, fideles, laeti, triumphantes, venite, venite in Bethlehem. Natum videte, regem angelorum ...” (Vamos, fiéis, alegres, triunfantes, vinde, vinde a Belém. Vede o nascido que é o rei dos anjos ...). É um antiquíssimo canto natalino que é cantado por católicos romanos e protestantes através do mundo. Era; porque hoje do Natal religioso quase nada resta. Até a tradicional Missa do Galo foi deixada de lado, sob o pretexto da violência urbana sobretudo à noite. Virou missa do pinto mesmo, às 20 ou 22 horas. Mas não se deixa de ir a outras celebrações noturnas, como bares, baladas, boates, cinemas, teatros etc.
O importante no Natal hoje é o lado profano da festa: ruidosas confraternizações em que ninguém se sente frater (irmão), consumismo desenfreado mesmo com crise, troca de presentes e, finalmente, uma lauta ceia à meia-noite substituindo a Missa do Galo. Vinte séculos de cristianismo e o Evangelho está cada vez mais longe da realidade do mundo. Pobres, miseráveis mesmo, perambulando pelas ruas e a gente se fechando sempre mais a eles, a uma realidade desumana e anticristã.
É assim que é preciso ver o que se passa no momento. Nos últimos 13 anos, houve alguns avanços sociais, que tiraram muita gente da miséria absoluta. O que Gilberto Freyre chamava de casa-grande não gostou nada: já se viu um aeroporto com cara de rodoviária? Já se viu você sentar na sua poltrona no avião e ver junto uma pessoa com ar de pobre, de sandálias Havaianas? Para esses, a senzala não tem o direito de evoluir; só tem direito ao pelourinho e ao açoite. São avanços tão pequenos e precários, mas a casa-grande quer acabar com eles.
A casa-grande só ficará contente quando vir o Temer, o Aecinho ou, quem sabe, o Serra, no poder. Enquanto isso não chega, contenta-se com um Congresso dos mais amorais que já tivemos. E tem aí uns que se dizem neopentescostais, bancada evangélica (como em um Estado laico, pode-se misturar de tal modo religião com política?). O máximo expoente desse pessoal, Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados, é um multicriminoso.
Amigas, amigos, qualquer que seja a nossa fé, vamos lutar para que tal situação não se sustente. Se partidos mais à esquerda que estão no poder desde 2003 perderam o trem da história, podem muito bem ser substituídos por outros que, como diz o papa Francisco, não sejam adoradores do deus Mercado, do deus Dinheiro;
Feliz Natal para todas e todos vocês e um 2016 dos melhores. Vocês merecem. Todos merecemos.

PS – Estou com dificuldade para fazer uma revisão de “Viver é muito perigoso”. Não consigo substituir o que está aí por capítulos revistos. Preciso me acostumar com novos programas. Vou fazer o trabalho em todos os capítulos e depois tentar colocar.

sábado, 19 de dezembro de 2015

A EDUCAÇÃO (OU FALTA DE) NA CASA DE MÃE JOANA

Há poucos dias, em entrevista à Rádio Jornal, o sr. João Carlos Paes Mendonça, líder do grupo JCPM e presidente do Sistema Jornal do Commercio, disse uma coisa básica, elementar para se entender a casa de mãe Joana que o nosso país se tornou. Falou simplesmente o seguinte: o Brasil não investe em educação. Que ninguém pense que eu estou querendo agradar ao patrão (tenho certeza que minhas leitoras e leitores não vão achar isso), pois eu não estou mais no Jornal do Commercio, a não ser por um artigo mensal, geralmente no primeiro sábado. Ali participei, durante mais de 20 anos, a convite de Ivanildo Sampaio, meu ex-colega no grupo Manchete, do soerguimento de uma empresa quase falida.
Com um salário em volta de mil reais, um professor não pode se manter decentemente, se reciclar, comprar os livros e outros materiais de que precisa para cumprir sua missão docente. As escolas, em geral, são ruins e mal administradas, além de expostas a constantes assaltos que, parece, não são percebidos pelos órgãos de segurança. A preciosa ajuda da internet não é levada em conta. Todo governo promete melhoras, mas no fim nada: prometem mundos e fundos e no fim ficam com os fundos imundos, como diz o povo.
Lembro-me de escolas que conheci na Europa, onde os alunos estudavam até grego e latim, que desapareceram do nosso ensino fundamental. Quando visitei meu filho Carlos Emanuel, num tempo que ele passou nos Estados Unidos, conheci a escola em que meu neto Pedro estudava (em Stamford, Estado de Connecticut, vizinho a Nova York), muito melhor do que algumas escolas particulares por aqui. São a Europa, os EUA, os países que investem em educação que ganham os prêmios Nobel, têm as melhores universidades, produzem ciência e tecnologia.
Nas nossas universidades, ao menos nas federais, os professores ganham melhor que no ensino fundamental. Por outro lado, se tornaram (na maioria) meros funcionários públicos, escudados numa estabilidade sem compromissos: não se veem obrigados a pesquisar, publicar produções científicas; às vezes queimam aulas. Muitos recebem mais por dedicação exclusiva e distribuem a “dedicação exclusiva” por mais de uma entidade.
Sem boa educação, não há conscientização de cidadania, de política. Você não reivindica seus direitos, não pratica seus deveres. Acha que tudo depende do Estado. Vende seu voto a quem der mais. Deixa-se corromper e também toma a iniciativa de pagar propina etc. Faz suas próprias leis; no trânsito, por exemplo. E, como os políticos, administradores também são geralmente deseducados, pouco fazem para evitar que a cidade, o país se tornem uma selva. Seria tão simples, por exemplo, colocar pardais para evitar que o motorista apressadinho invadisse o espaço exclusivo de ônibus. Mas, cadê? Quem segue a regra fica se sentindo um abestalhado.
Essa onda de estripulias com o dinheiro público, que afinal está sendo investigada e punida, também tem a ver com o baixo nível de educação do país. Recente reportagem de Angela Fernanda Belfort (JC de 13.12.15) mostra o impacto da corrupção em obras no Estado de Pernambuco no bem-estar da população. Transposição do Rio São Francisco: 12 milhões de nordestinos sem água em uma das piores secas da região. Estaleiro Atlântico Sul: 2,5 mil pessoas perderam seus empregos na onda da Lava-Jato. Na Refinaria Abreu e Lima, também roubalheira e desemprego.

É certo que, se houvesse investimento na educação, no ensino, o povo não aceitaria situação semelhante. Corrupção também há em países de alto nível educacional; mas ela é investigada, combatida, punida. O nosso problema maior é que quase todo mundo se dá bem nessa bandalheira. E se dava melhor ainda em governos em que o Ministério Público e a Polícia Federal não funcionavam. Esse pessoal se dá bem até demais desde que vivia à custa de trabalho escravo.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

ACHO QUE O ESTADO DA GUANABARA DEVE SER RESTAURADO

Prosseguindo com o tema da última postagem. Depois que o general-ditador Ernesto Geisel atropelou, mais uma vez, a Cidade Maravilhosa fundindo o Estado da Guanabara, criado depois que o Distrito Federal migrou para o Planalto Central, com o velho Estado do Rio, cuja capital sempre foi em Niterói, uma horda de corruptos e incompetentes tomou de assalto a velha e nobre cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (que, apesar de tudo, "continua linda”, como cantaram Gil e Caetano antes de partirem para o exílio). Segundo um artigo do jornalista José Roberto Guzzo, de outubro de 2009, "o Rio de Janeiro se viu castigado por alguns dos piores governos já registrados na história humana".
Essa fusão arbitrariamente imposta lembra um processo inverso que aconteceu com a província de Pernambuco, quando perdemos Alagoas, que se tornou província autônoma, e a Comarca do São Francisco, que abrangia a margem esquerda desse rio. Mas ali não se constituiu uma nova província. Foi empurrada para Minas e depois para a Bahia. O Geisel daquele tempo, que se chamava Pedro 1º, não gostava de Pernambuco, que vivia fazendo revoluções contra o poder central, querendo república, federação, liberdade. É o único Estado que perdeu grande parte do seu território, não para criar um novo, como aconteceu com Goiás, Pará, Amazonas, mas para ser anexada a outro. E ficou por isso mesmo. Não se questionou mais o arbítrio. A não ser, quixotescamente, Barbosa Lima Sobrinho, em plena ditadura.
Não sei por que não se questiona agora, depois que voltou uma certa dose de democracia, essa fusão, que só interessava à ditadura e ao ditador do momento. A Cidade Maravilhosa só tem a perder com a continuação desse casamento suspeitoso, como diria Ariano Suassuna. A Justiça perdeu, como me contou um juiz aposentado da Guanabara, com a insegurança jurídica herdada de um Estado que não progredira (o Estado do Rio), com grande quantidade de magistrados viciados. A representação popular piorou de qualidade. No Executivo, em lugar de governadores qualificados como Carlos Lacerda, Negrão de Lima, Chagas Freitas, os fluminenses que vieram depois chafurdaram bastante na incompetência e também no desregramento.
Referi-me a Lacerda. Ele era golpista empedernido, mas um cara culto. E, na gestão dele, o Rio ganhou obras monumentais, como o Parque do Flamengo, o túnel que vai do Rio Comprido à Lagoa e o outro, menor, Catumbi-Laranjeiras. É verdade que recebeu muita ajuda da Aliança para o Progresso (Usaid), através da qual o governo dos Estados Unidos favorecia os governadores anti-Jango. Por outro lado, desmontou muitas favelas da Zona Sul, empurrando os pobres que ali moravam para subúrbios longínquos e com transporte precário.
Se eu ainda morasse no Rio, faria uma campanha constante para o divórcio dessa união viciada. Daria uma de Cícero, terminando todos os meus artigos na imprensa etc. com um "Ceterum censeo Carthaginem esse delendam", ("De mais a mais, acho que Cartago deve ser destruída"): Acho que o Estado da Guanabara deve ser restaurado. Dos meus colegas daquela época muitos já morreram. E a turma mais jovem talvez nem se lembre que sua cidade já foi um Estado. Isso me lembra Pelópidas da Silveira, um grande prefeito que o Recife teve. Ele falava que uma das coisas ruins de se ficar velho é que, quando a gente quer ver um amigo precisa ir ao cemitério.

Gente, revisei os três primeiros capítulos de "Viver é muito perigoso e acrescentei algumas coisas. Convido-os a conferir.

sábado, 12 de dezembro de 2015

CIDADE MARAVILHOSA ESVAZIADA POR JK E PELA DITADURA

Gente, confesso que tenho um amor à primeira vista pela cidade do Rio de Janeiro desde que a vi pela primeira vez, entrando de navio na Baía da Guanabara (num tempo em que ainda se viajava de navio, de trem, de bonde por aqui; hoje, trem e ônibus só na atrasada Europa...) a caminho do Rio Grande, onde estudaria filosofia com os jesuítas em São Leopoldo. Naquele tempo eu estudava para ser padre. Não ia dar certo. Alguns meses depois, consolidei esse amor passando férias ali, em dezembro de 1950 e janeiro de 1951, na casa de uma tia chamada Gracinha, que morava no Largo do Machado, esquina com Bento Lisboa. Ela mandou uma passagem para Mamãe, que veio do Recife, e outra pra mim. Getúlio, constitucionalmente reeleito, tomou posse em janeiro para um mandato que não terminaria, forçado que foi a suicidar-se para não enfrentar a desonra de um golpe (que conseguiu retardar por dez anos com sua carta-testamento). Eu ia muito à sede da Ação Católica, na Rua México, para ouvir conferências de Alceu Amoroso Lima, Dom Helder (que era bispo auxiliar do Rio) e outros líderes do catolicismo brasileiro. Na noite de Natal, fui assistir à Missa do Galo no Mosteiro de São Bento, pegando um bonde um pouco antes da meia-noite e saltando na Praça Mauá. Tudo tranquilo (a volta pra casa também), sem balas perdidas, arrastões nem o domínio do tráfico de entorpecentes. Rio saudoso.
Muito mais tarde, nos anos 1970, morei lá alguns anos, trabalhando no grupo da Manchete, na Rio Gráfica, hoje Editora Globo, no Diário de Notícias e no alternativo Opinião. Foi um tempo muito bom para mim, apesar do auge da ditadura (com as polícias ainda desconectadas, em São Paulo e no Rio minha pecaminosa vida pregressa era ignorada). Eu morava na Praia do Flamengo, onde descobri um apartamento havia muito desocupado e que estava barato, com vista para o Pão de Açúcar, Niterói do outro lado da baía. Meus meninos, menos Paulo (Marquinhos não havia nascido), ainda muito novo, estudavam em escola pública, de excelente qualidade, Escola Rodrigues Alves, vizinha ao Palácio do Catete, Depois Carlinhos passou para a Anne Frank, vizinha ao Palácio Guanabara. O hino do Estado da Guanabara era o velho e bonito "Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil".
Mas o que eu quero dizer mesmo é que o Rio de Janeiro foi duplamente esvaziado e apequenado. Primeiro, por JK, que cismou de construir Brasília, sem justificativa séria, somente a possibilidade das negociatas de sempre (o desenvolvimento do Centro-Oeste não se deve só à mudança da capital). Destruiu a Previdência Social e muito mais. Para desafogar o Centro do Rio, bastava instalar o governo federal na Barra da Tijuca, despovoada na época, onde caberia muito bem o núcleo dos projetos de Lúcio Costa e Niemeyer: Praça dos Três Poderes e Esplanada dos Ministérios. Nada das cidades-satélites faveladas, das infindáveis mordomias que JK inventou para convencer deputados e senadores a se mudarem para Brasília.  Nem das constantes vantagens que eles próprios criam o tempo todo.
Pelo menos, o Rio tornou-se uma Cidade-Estado. Mas tinha uma pedra (uma ditadura) no meio do caminho. E o general-ditador Ernesto Geisel decidiu juntar o Estado da Guanabara com o atrasado e despolitizado Estado do Rio. Aí foi o esvaziamento maior. E vieram os “Garotinhos”, “Garotinhas”, “Pezões”, trazendo para o politicamente conscientizado Rio-Guanabara a incultura política da velha província fluminense. Como o tema se alonga, volto a ele na próxima postagem.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

SECA EM ALDEIA? É ISSO AÍ. E TEM TAMBÉM A PRIVATARIA

Antigamente a seca era nos sertões, do Piauí ao norte de Minas, estendendo-se às vezes ao Agreste. Quando eu era criança, não me lembro de estiagem mais longa na Zona da Mata, onde meu pai, Paulino Veloso de Andrade, tinha um engenho, não muito longe das matas onde moro hoje, em Aldeia. Este ano, a seca atinge até Aldeia, onde não pinga há mais de um mês. Enquanto isso, representantes dos líderes mundiais discutem em Paris, sem chegar a conclusões satisfatórias, como conseguir que o nosso maltratado planeta Terra não atinja brevemente o talvez fatídico aquecimento até dois graus.
Mas, o que eu desejo tratar hoje é dos prejuízos que causa ao nosso Estado a não fiscalização, por exemplo, da concessionária de energia elétrica, torrada a preço de banana (como era costume nas privatizações dos anos 1990) e hoje controlada por um grupo visigodo. A Aneel e outras agências reguladoras criadas à época da desestatização desenfreada continuam ineficientes, mesmo após a saída do PSDB do governo federal, servindo praticamente para homologar aumentos de tarifas. Em recente reportagem de Emídia Felipe no JC, ficamos sabendo que o polo industrial de Goiana, onde se destacam a Hemobras e a Jeep, está sendo prejudicado por constantes falhas no fornecimento de energia. A fábrica do Renegade chega a parar várias vezes. Na Hemobras, as quedas de energia ameaçam o tratamento do plasma, sua matéria-prima. A Celpe sustenta que as interrupções são pontuais. Fico eu pensando, com meus botões, se, lá na Espanha, hoje reconduzida à Europa após a queda do fascismo franquista, os visigodos, que já foram bárbaros, daqueles que invadiram o Império Romano com a fúria de uma Estado Islâmico, produzem quedas, mesmo pontuais, de energia elétrica. Voltando a Aldeia. Aqui as quedas de energia são frequentes, sobretudo quando chove. Certamente custa caro a manutenção das redes e os visigodos precisam de mais lucros para os acionistas. E viva o capitalismo!
Voltando a Goiana. A Hemobras paga à Celpe uma média de R$150 mil mensais e registrou, de janeiro a 15 de novembro, 116 horas sem energia em sua fábrica, o que equivale a quase cinco dias. Essa empresa pública ainda não teve perda de plasma porque possui dois geradores que impedem o risco à matéria-prima usada na produção de hemoderivados. Na Jeep, uma comitiva da Assembleia Legislativa encontrou a fábrica sem energia. Interessante notar que a indústria de vidros Vivix e a de cerveja Itaipava (esta em Itapissuma) não se queixaram de falta de energia. Dá a impressão que a concessionária dos visigodos escolhe a quem vai prejudicar, pois não pretende diminuir o lucro dos acionistas fazendo boa manutenção em todas as redes.
Pode-se acreditar (claro que eles não vão confessar) que as concessionárias de telefonia celular também agem assim. Por exemplo, você faz uma ligação e começa a falar com outra pessoa. Quase invariavelmente, a ligação cai e você tem de gastar mais tentando outra ligação. É frequente, você ter de fazer três ligações, se a  conversa for mais longa (a Anatel não pia). Sem falar em apagões de linha prolongados. Com a TV por assinatura, nota-se que é muito mais cara que nos países de origem e oferece programas repetitivos. Se você quiser variar, tem de pagar mais.Tudo isso graças à assim dita "privataria tucana" (leiam o livro homônimo).
Caras leitoras e caros leitores, não esqueci o "Viver é muito perigoso" (aí ao lado). Vou retomar uma revisão para cobrir fatos e comentários que esqueci na primeira edição.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

QUAL É O ANIMAL QUE FAZ DE TUDO PARA DESTRUIR SEU HÁBITAT?

O ser humano se diz racional e civilizado. No entanto, faz coisas que o tornam inferior até aos animais irracionais. Qual a espécie que se autodestrói, guerreando-se constantemente; antigamente mais por território, hoje para manter ativa e lucrativa a indústria bélica? Qual é o animal que faz de tudo para destruir seu hábitat, o meio ambiente em geral, derrubando florestas, transformando rios e mares em lixeira e captação de esgotos? Qual é o animal que concentra para pouquíssimos tanto alimento, digamos riqueza? Agora mesmo os líderes mundiais e seus técnicos estão reunidos em Paris para ver se conseguem que o aquecimento global não ultrapasse dois graus. Cadê as geleiras, os glaciares? (Visite o Perito Moreno, no extremo sul da Argentina, antes que ele se acabe, poderia anunciar um cartaz turístico.) Cadê a fauna polar? Onde irão sobreviver os esquimós?
Faço estas considerações a propósito de nota lida em algum jornal sobre o excesso de agrotóxicos que se utiliza no Brasil. Agrotóxico, também conhecido como pesticida, designa compostos químicos  cujo princípio ativo acaba com diversos tipos de pestes agrícolas que prejudicam a produtividade desse setor, como insetos, ervas daninhas, fungos, vermes, roedores e pragas. De uma maneira geral, são tóxicos, uns mais, outros menos danosos à saúde humana e ao meio ambiente. Um dos problemas mais comuns que acarretam é a contaminação do solo, de lençóis freáticos, rios, lagos. O alcance do problema aumenta em se tratando de inseticidas com organoclorados e  e organofosforados, que permanecem no corpo do animal, por exemplo, no peixe, e são absorvidos por quem o come.
O impacto causado  pelo fabrico e uso de pesticidas é muitas vezes irreversível. Apesar de tudo, o nosso país é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, com cerca de 70% dos alimentos atingidos. A grande justificativa para o império crescente do agrotóxico é que, com o aumento da população mundial, precisa-se de cada vez mais eficiência na produção agrícola para alimentar os homens. "Imagine tomar um galão de 5 litros de veneno a cada ano. É o que os brasileiros consomem anualmente", segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Desde 2008, o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de consumo de agrotóxicos.
Você quer uma alimentação mais sadia e parte para o consumo de frutas e verduras. Quase tudo contaminado, sem nenhum aviso aos consumidores. E acrescente-se ainda o que está embutido em alimentos enlatados, processados, aditivados. Não esqueçamos também outro produto cancerígeno, o amianto. Proibido em vários Estados do país, a gente, contudo, continua encontrando telhas e caixas d'água de amianto por toda parte. 
Enquanto isso, o governo e os parlamentares duelam pra saber quem roubou ou quem pedalou. O país é um paraíso para os alimentos geneticamente modificados, ainda não liberados por países que se prezam. Entre os campeões na produção  e venda de agrotóxicos está a multinacional Monsanto, que tem um lóbi imbatível. Tristes trópicos!, como diria Claude Lévi-Strauss.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

FRANCISCO, O JESUÍTA (E FRANCISCANO) BISPO DE ROMA

Francisco, o bispo de Roma, como ele se apresentou em seu primeiro contato com o povo, na Praça de São Pedro, quando foi eleito papa, continua surpreendendo. Em sua visita pastoral a três países africanos onde há hostilidade entre muçulmanos e cristãos, ele pregou a conciliação entre religiões, e prosseguiu insistindo em sua proposta de uma ecologia global, que inclua toda a natureza, todos os animais, inclusive o homem. Uma ação ambientalista que seja também social. A África é um dos produtos mais acabados do colonialismo europeu. Depois de explorarem suas colônias até o bagaço e produzirem, mui cristãmente, alguns massacres, França, Grã-Bretanha, Portugal, Espanha, Bélgica, Alemanha, Itália resolveram fazer que largavam o osso, após a 2ª Guerra Mundial. Mas não sem antes traçarem as fronteiras daqueles povos juntando tribos inimigas e separando tribos amigas. Além de não haverem preparado uma elite capaz de governar decentemente os novos países.
Resultado na maioria dos países: massacres, genocídios, sobas substituindo os governantes coloniais. Quem descreveu os colonizadores do ex-Congo Belga, com fina gozação, foi o ditador Mobutu Sese Seko: "Ils sont curieux ces Belges, ils n'arrivent pas à surmonter leurs quérelles tribales" (São estranhos esses belgas. Eles não conseguem superar suas querelas tribais). Referia-se à velha rixa nesse pequeno país entre valões, que falam francês, e flamengos, que falam holandês. No segundo país que Francisco visitou, Uganda, que abriga mais de 500 mil refugiados de perseguições em outros países, o papa elogiou o extraordinário acolhimento a eles reservado. Disse ele: "Nosso mundo, em meio a tantas guerras, violência e diversas formas de injustiça, experimenta um movimento sem precedente de populações. O modo como tratamos essas pessoas é um teste de nossa humanidade, de nosso respeito pela dignidade humana e, sobretudo, de nossa solidariedade para com nossos irmãos e irmãs que que passam necessidade".
Ao visitar o Quênia, disse, em um bairro pobre de Nairóbi onde moram cerca de 100 mil pessoas: "Como não denunciar as injustiças que sofrem? A atroz injustiça da marginalização urbana. São as feridas provocadas por minorias que concentram o poder, a riqueza e esbanjam com egoísmo, enquanto crescentes maiorias devem refugiar-se em periferias abandonadas, contaminadas, descartadas". Como se pode notar, Francisco de Roma não perde ocasião de criticar o regime desumano que manda e desmanda no mundo, com poucas exceções. Ele evita falar de "capitalismo", mas o que ele diz expõe claramente o que ele pensa. Quão diferente de papas anteriores, que condenavam o socialismo, por mais tênue que fosse, como coisa do demônio. Xô, satanás! Pio 12 chegou ao cúmulo de proteger nazistas, após a derrota de Hitler, providenciando-lhes passaportes e enviando-os principalmente para a Argentina. Não é de admirar a notória ferocidade das ditaduras que assolaram os nossos vizinhos.
Não percam a minissérie "Francisco, o jesuíta", que vai ao ar no canal History, a partir da quinta-feira 3 de dezembro, sobre um papa tão diferenciado dos antecessores: o primeiro nascido no assim dito Novo Mundo, especificamente na América mais pobre, que é a Latina; um papa que chutou a classificação dinástica do papado, herança do Império Romano, intitulando-se apenas Francisco. Mesmo jesuíta, ele é um franciscano em espírito e ações. A produção da minissérie é baseada na biografia do papa escrita pelos jornalistas Sergio Rubin e Francesco Ambrogetti, "O papa Francisco - Conversas com Jorge Bergoglio ". A maior parte da produção é dedicada às atividades de Francisco no Vaticano, como sua luta para acabar com a corrupção no IOR (Banco do Vaticano), a ostentação da Cúria Romana, a pedofilia endêmica no clero, fruto certamente de um celibato não carismático, mas imposto à força pelo direito canônico. Fala também da tolerância para com divorciados e gays, esforços pela paz no Oriente Médio, entre Cuba e Estados Unidos.


TODO DIA É DIA DE ÍNDIO

Gente, mais uma vez, encrenca com a banda fio dental e provedor. Vou enviar-lhes hoje o post desta segunda-feira e o da sexta passada; e ficar postando em segunda ou terça, e sexta ou sábado, para tentar manter uma periodicidade. É costume dizer que o Brasil teve e continua tendo um comportamento, em relação aos primitivos habitantes de Pindorama, menos desumano que aquele praticado por estadunidenses e outros colonizadores das Américas, Isto só em parte é verdade. Muitos índios se salvaram porque abandonaram o litoral, mais rapidamente habitado pelo europeu, embrenhando-se na selva amazônica e mato-grossense. Houve também dificuldade em escravizar os índios, não só porque eles estavam em seu hábitat natural mas também por uma alegada proteção dos jesuítas. Mas a realidade é que, dos milhões de indígenas que tínhamos no início da colonização do nosso país, hoje só nos restam menos de um milhão.
Faço estas considerações a partir de notícias que se repetem constantemente sobre assassinatos de guaranis no Mato Grosso do Sul, por jagunços a mando de latifundiários e grileiros, e graves descuidos da Funai na própria Amazônia, que, apesar do desmatamento e da constante grilagem, ainda seria o último refúgio dos nossos silvícolas. A Funai é, por exemplo, acusada de omissão em grave conflito entre duas etnias, uma das quais ainda isolada, na Terra Indígena Vale do Javari, no noroeste do Estado do Amazonas (fronteira com o Peru); matis e corubos, estes isolados. As investigações ainda estão em curso, mas calculam-se os mortos entre 7 e 15. Consta que os matis, após alertarem a Funai e pedirem audiência em Brasília, revidaram ataque da etnia isolada há já um ano. Desde então, com total omissão da Funai, os contatos entre ambos os povos vêm sendo marcados pela violência. Além de tudo, os corubos estão com doenças respiratórias contagiosas e têm marcas de tiros no corpo.
Vê-se assim que a herança maldita das doenças da "civilização" branca já chegou ao Vale do Javari, que é a região com maior densidade de etnias isoladas do mundo. Essa região protegida é pressionada duramente por pescadores, caçadores, madeireiros e traficantes. Já são quase 20 anos que o sertanista Sidney Possuelo fez o primeiro contato com os corubos. Desde então os encontros com funcionários da Funai são ocasionais. A União dos Povos Indígenas do Javari, como vimos acima, há muito solicitou à Funai uma estratégia de pacificação. As queixas são muitas em relação à Funai. O coordenador-geral para índios isolados, Carlos Travassos, preferiu deslocar funcionários especializados para prestar assistência a sua amiga Mariana Mercadante, filha do ministro Mercadante, que faz filmagens por ali.
Sertanistas experientes acusam Travassos de irregularidades e má gestão e pediram sua saída do cargo. Possuelo afirma que a intenção é privatizar a área. O presidente da Funai, João Pedro da Costa, também está sendo acusado de omissão por sertanistas e amigos da causa indígena. Apesar disso tudo, os índios aculturados, mais abundantes no Nordeste e Sudeste do Brasil, vão cada vez mais se conscientizado de seus direitos e agindo para reaver o que perderam. É o que ocorre, por exemplo, com os xucurus de Pesqueira, sob a liderança do cacique Marquinhos, sucessor de seu pai, o cacique Chicão, assassinado a mando de latifundiários. Já conseguiram recuperar legalmente grande parte de suas terras tomadas por fazendeiros. Na vizinha Paraíba, os potiguaras da Bahia da Traição e adjacências também já lutam por seus direitos.