Gente, confesso que tenho um amor à
primeira vista pela cidade do Rio de Janeiro desde que a vi pela primeira vez,
entrando de navio na Baía da Guanabara (num tempo em que ainda se viajava de
navio, de trem, de bonde por aqui; hoje, trem e ônibus só na atrasada Europa...)
a caminho do Rio Grande, onde estudaria filosofia com os jesuítas em São
Leopoldo. Naquele tempo eu estudava para ser padre. Não ia dar certo. Alguns
meses depois, consolidei esse amor passando férias ali, em dezembro de 1950 e
janeiro de 1951, na casa de uma tia chamada Gracinha, que morava no Largo do
Machado, esquina com Bento Lisboa. Ela mandou uma passagem para Mamãe, que veio
do Recife, e outra pra mim. Getúlio, constitucionalmente reeleito, tomou posse
em janeiro para um mandato que não terminaria, forçado que foi a suicidar-se
para não enfrentar a desonra de um golpe (que conseguiu retardar por dez anos
com sua carta-testamento). Eu ia muito à sede da Ação Católica, na Rua México,
para ouvir conferências de Alceu Amoroso Lima, Dom Helder (que era bispo
auxiliar do Rio) e outros líderes do catolicismo brasileiro. Na noite de Natal,
fui assistir à Missa do Galo no Mosteiro de São Bento, pegando um bonde um
pouco antes da meia-noite e saltando na Praça Mauá. Tudo tranquilo (a volta pra
casa também), sem balas perdidas, arrastões nem o domínio do tráfico de entorpecentes.
Rio saudoso.
Muito mais tarde, nos anos 1970,
morei lá alguns anos, trabalhando no grupo da Manchete, na Rio Gráfica, hoje Editora Globo, no Diário de Notícias e no alternativo Opinião. Foi um tempo muito bom para
mim, apesar do auge da ditadura (com as polícias ainda desconectadas, em São
Paulo e no Rio minha pecaminosa vida pregressa era ignorada). Eu morava na
Praia do Flamengo, onde descobri um apartamento havia muito desocupado e que
estava barato, com vista para o Pão de Açúcar, Niterói do outro lado da baía.
Meus meninos, menos Paulo (Marquinhos não havia nascido), ainda muito novo,
estudavam em escola pública, de excelente qualidade, Escola Rodrigues Alves,
vizinha ao Palácio do Catete, Depois Carlinhos passou para a Anne Frank,
vizinha ao Palácio Guanabara. O hino do Estado da Guanabara era o velho e
bonito "Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil".
Mas o que eu quero dizer mesmo é que o
Rio de Janeiro foi duplamente esvaziado e apequenado. Primeiro, por JK, que
cismou de construir Brasília, sem justificativa séria, somente a possibilidade
das negociatas de sempre (o desenvolvimento do Centro-Oeste não se deve só à
mudança da capital). Destruiu a Previdência Social e muito mais. Para desafogar
o Centro do Rio, bastava instalar o governo federal na Barra da Tijuca,
despovoada na época, onde caberia muito bem o núcleo dos projetos de Lúcio
Costa e Niemeyer: Praça dos Três Poderes e Esplanada dos Ministérios. Nada das
cidades-satélites faveladas, das infindáveis mordomias que JK inventou para
convencer deputados e senadores a se mudarem para Brasília. Nem das
constantes vantagens que eles próprios criam o tempo todo.
Pelo menos, o Rio tornou-se uma Cidade-Estado.
Mas tinha uma pedra (uma ditadura) no meio do caminho. E o general-ditador
Ernesto Geisel decidiu juntar o Estado da Guanabara com o atrasado e
despolitizado Estado do Rio. Aí foi o esvaziamento maior. E vieram os “Garotinhos”,
“Garotinhas”, “Pezões”, trazendo para o politicamente conscientizado
Rio-Guanabara a incultura política da velha província fluminense. Como o tema
se alonga, volto a ele na próxima postagem.
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