sábado, 27 de fevereiro de 2016

A HISTÓRIA SE REPETE COMO FARSA. VAMOS TOLERAR?

Um técnico (engenheiro) chamado Márcio Patusco tanto fez que obrigou a Anatel a contratar uma consultoria com o objetivo de analisar os custos dos serviços prestados pelas operadoras de telefonia. Como sabemos, as agências reguladoras criadas por Fernando 2º (FHC) na onda da “privataria” se limitam a coonestar generosos e constantes aumentos de tarifas. Nem os governos de Lula nem os de Dilma melhoraram essa situação anárquica. Conclusões da consultoria: a assinatura de telefonia fixa poderia ser de R$10, em vez dos R$45 cobrados atualmente. Os custos cobrados no Brasil chegam, em alguns casos, a 700% acima do valor real. Mesmo com tamanho assalto, a gente tem de ligar mais de uma vez se quiser concluir uma ligação satisfatoriamente e a falta de cobertura é uma constante.
Mas o que eu quero falar hoje com vocês é sobre a semelhança da situação no Brasil em 1954 e hoje (“Meninos, eu vi” Getúlio levado ao suicídio pelos golpistas de então por haver criado a Petrobras, o BNDES, a Vale do Rio Doce e pretender fazer ainda muito mais por um Projeto Brasil que ele acalentava desde a Revolução de 1930). Escrevendo sobre ele em uma excelente e isenta biografia o jornalista Lira Neto diz: “Para muitos, ele foi o grande responsável pela modernização do Brasil ao por em prática um modelo nacional-desenvolvimentista capaz de direcionar, em pouco mais de duas décadas, um país agrário para o rumo efetivo da industrialização. [...] Sob essa mesma perspectiva, a vasta legislação trabalhista instituiu o necessário equilíbrio na relação entre patrões e empregados, superando os resquícios da escravocracia mais arcaica”.
É verdade que Getúlio foi ditador e frequentemente autocrata desde o golpe do Estado Novo em 1937 até 1945, quando os generais fascistoides, como Dutra e Gois Monteiro, que preferiam o nosso país ao lado da Alemanha na guerra, o golpearam impedindo que usasse as divisas acumuladas durante a guerra para o desenvolvimento do país. José Linhares, um patético magistrado que eles colocaram para governar até a posse do novo presidente e, após ele, Dutra torraram essas divisas na importação de sucata de guerra, cigarros e passas dos EUA e por aí vai. Ele foi ditador, mas era moda na época na civilizada Europa: Espanha, Portugal e até grandes países, como Alemanha e Itália viviam sob ditaduras. Ao menos ele evitou que os militares tomassem diretamente o poder, como fizeram de 1964 a 1985.
Em 1950, Getúlio voltou com uma estrondosa votação popular. Os eternos golpistas, defensores da Casa-Grande e inimigos da Senzala, não engoliram essa revanche popular. Para Carlos Lacerda, o chefe da chamada Banda de Música da UDN, Getúlio não podia ser candidato, candidato não podia ser eleito e eleito não podia tomar posse. Assim, curto e grosso. Como ocorre hoje com Dilma, a obra dos golpistas de sempre não o deixou governar. Tudo piorou quando um atentado contra Carlos Lacerda matou um oficial da Aeronáutica. Esta arma instituiu a chamada República do Galeão e, devido à participação naquele atentado de gente próxima ao presidente (que de nada sabia), pretendia convocá-lo para depor num estranho IPM, que lembrava os IPMs da última ditadura. Outros militares, nutridos no golpe desde 1889, praticamente obrigaram Getúlio a se licenciar da Presidência. Terminada uma tumultuada reunião, ele subiu ao seu quarto, escreveu a famosa carta-testamento, preparou sua arma e suicidou-se. Adiou o golpe por 10 anos.
“Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória”, diz ele na carta. O cortejo que o levou do Catete ao Aeroporto Santos Dumont foi uma apoteose do assim dito “pai dos pobres”. Aí é que está. Próspero fazendeiro, ele se preocupava com a sorte dos mais pobres. A Casa-Grande não aguenta uma coisa como essa. Cinquenta anos depois, uma ditadura militar depois e desgovernos como os de Sarney, Fernando 1º (Collor), Fernando 2º, um retirante nordestino e torneiro mecânico quis fazer alguma coisa pelos mais humildes. Pau nele e na sua substituta. Os herdeiros da UDN e de Carlos Lacerda tão aí: Lula não pode ser candidato, se candidato, não deve ganhar, eleito não deve tomar posse. A história se repete como farsa.

PS – No próximo domingo às 10h30, na igrejinha das Fronteiras, haverá celebração da eucaristia pelos 107 anos que Dom Helder Câmara completaria. Iniciativa do IDHeC – Instituto Dom Helder Câmara.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

HOSPÍCIO GOVERNADO POR LOUCOS

Um inglês chamado David Lloyd George, após olhar para o resultado de todas as arbitrariedades e outros malfeitos cometidos pelo Império Britânico e seus associados da Europa rica (e, mais tarde, dos Estados Unidos), chegou à conclusão de que “o mundo está se tornando um hospício dirigido pelos loucos”. De fato, quando lembramos as duas guerras mundiais (1914-18 e 1939-45), que fizeram a festa da indústria bélica, estamos diante da insanidade. A paz subsequente à 2ª Guerra Mundial durou somente cinco anos, pois, em 1950, a indústria bélica estadunidense já estava impaciente com a queda de seus lucros e empurrou os EUA para a Guerra da Coreia.
O novo Império (EUA) tomou gosto e não parou mais. Golpes na América Latina e pelo mundo a fora, para enquadrar todo mundo na Guerra Fria (democracia seria, para eles, coisa de wasp, ou seja, american, anglo-saxon, protestant). Foram até o Vietnam, de onde Ho Chi-Minh já havia botado os franceses para correr na batalha de Diem Bien-Phu. Depois de muita carnificina, com direito a armas químicas (que os estadunidenses só veem nas mãos de inimigos) os vietnamitas botaram também os americanos lá de riba pra correr, vergonhosamente. Aviões fugiam de Saigon (hoje rebatizada de Ho Chi-Minh) abarrotados de gente, enquanto tropas do norte e guerrilheiros tomavam a capital do Estado fictício estabelecido no sul.
A União Soviética não ficou atrás, espalhando guerra e intervenção (Hungria, Tchecoslováquia) pra lá e pra cá, mas numa escala bem menor que a da outra superpotência. Sua última aventura foi invadir o Afeganistão, depois ocupado pelos EUA sem que em nada melhorasse a sorte de um país dividido em tribos e indomável. Não só nesse país, o terrorismo de facções extremistas faz vítimas quase diariamente.
Quando a gente considera principalmente o Oriente Médio, não deve esquecer o que a Europa rica fez de mal àqueles povos. As Cruzadas, justificadas como reconquista dos lugares santos do cristianismo (para quê?), constituíram de fato o primeiro grito de guerra do colonialismo, que recrudesceu nos séculos 16 e seguintes. Claro que os exércitos arrebanhados por príncipes e papas não se compunham de congregados marianos, santas figuras. As barbaridades que eles praticaram por ali são incontáveis. Basta lembrar que mataram também muitos cristãos orientais. Se estavam vestidos como os outros orientais, não poderiam ser cristãos, no raciocínio eurocêntrico. Cristão só vestido à moda europeia!
Depois da derrubada do Império Otomano (dedo dos conterrâneos do acima citado David Lloyd George, com o charme de Lawrence da Arábia), o imperialismo europeu deitou e rolou na Palestina, Síria, antiga Mesopotâmia (Iraque), Arábia. Dividiram tudo de acordo com seus interesses, criando limites artificiais entre povos e não levando em consideração etnias que ficaram sem Estado, como curdos e armênios. Os britânicos se deram ao luxo de criar um Estado artificial, o Kwait, cujo território historicamente sempre foi ligado ao Iraque. Tem muito petróleo. Aliás, o petróleo é a riqueza e desgraça do Oriente Médio. O Irã já teve, faz tempo, um primeiro-ministro nacionalista, Mossadegh, que nacionalizou o ouro preto. Pra que, minha gente? Foi derrubado com um golpe e o xá (como chamavam o rei de lá, pré-Revolução Islâmica) fez uma aliança eterna, enquanto durou, como dizia Vinícius, com os imperialistas.
E ainda reclamam de atentados de fanáticos, do avanço do Califado ou Estado Islâmico. E um ditador hereditário que governa a Síria parece que vai terminar escapando dos que desejavam derrubá-lo. Tem a ajuda poderosa da Rússia e agora querem dar-lhe uma trégua para todo mundo se juntar contra o Califado. Assad, o ditador, já marcou até eleições legislativas.

É muita loucura e muito hospício.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

EUROPEUS SEM EUROPA. PODE?

Prezadas e tolerantes leitoras, prezados e tolerantes leitores, mais uma vez sou atropelado, em meu esconderijo de Aldeia, pois os visigodos atacaram de novo. E quando eles atacam, graças à “privataria tucana” (leiam o livro homônimo), todo o restante dos serviços públicos premiados pela “privataria” e outros negam fogo; como telefone, internet. Por isso não pude divulgar minha postagem do início desta semana. Em compensação, vai aí a primeira colaboração do economista Carlos Emanuel, veterano executivo de multinacionais.
Antes de postar a colaboração dele, passo-lhes este pensamento de Ziraldo: “Somos os europeus mais infelizes do mundo, porque não temos a Europa”.

Os Investidores Internacionais e a Dança do Siri

A esmagadora maioria de nós não se deu conta, enquanto pulava animadamente o carnaval na semana passada, tentando afogar as mágoas e espantar a crise por alguns dias, da visita assombrosa do fantasma da crise de 2008 nos mercados financeiros internacionais. As bolsas despencaram no mundo inteiro. O índice Nikkei do Japão caiu 11,1% ao longo da semana, a maior queda semanal desde Outubro de 2008. O EuroStoxx 600, que reúne as empresas europeias, desabou 5,81%, atingindo o nível mais baixo dos últimos 3 anos. E o Dow Jones, índice da Bolsa de Nova Iorque, recuou 3,36%.
Além da queda no mercado acionário, o risco país das principais economias europeias disparou na semana passada. Medido pelo CDS (Credit Default Swap), que é um instrumento derivativo complexo mas pode ser resumido como um seguro contra a quebra de um emissor de títulos de dívida, o risco da França subiu de 29 para 40 pontos (0,40% de prêmio de seguro sobre a dívida soberana francesa), o da Alemanha pulou de 15 para 22 pontos, e o do Reino Unido aumentou de 28 para 34 pontos. Parecem níveis baixíssimos quando comparados com o CDS do Brasil, que tem oscilado muito próximo dos 500 pontos ao longo deste início de 2016, mas o aumento relativo do risco dos países europeus em apenas 1 semana foi muito significativo. O que provocou, então, este sobressalto generalizado no mundo das finanças internacionais durante a nossa semana de carnaval, e durante as comemorações do ano novo chinês?
Há muitas razões para uma onda de aversão ao risco no mundo, entre elas o baixo crescimento econômico dos países desenvolvidos, a desaceleração do gigante chinês, a crise das empresas de energia com a queda livre dos preços do petróleo, o fantasma da deflação nas economias do Primeiro Mundo (para lembrar aquela definição da época da Guerra Fria), a crise de imigração na Europa, a interminável guerra na Síria, entre vários outros que decorrem dos primeiros. Entre estes últimos, ou seja, aqueles fatores que são consequência dos primeiros, destacam-se as taxas de juros negativas no Japão e na Europa, usadas para tentar estimular as economias, e o aumento da inadimplência nos empréstimos bancários. Ambos com efeitos negativos para os bancos, que foram os grandes vilões da semana.
A autoridade monetária japonesa anunciou no final de Janeiro a redução das taxas sobre os recursos bancários depositados no Banco Central para -0,1%, enquanto o Banco Central da Suécia surpreendeu a todos com um corte das taxas de juros na semana passada para -0,50%. Estes movimentos ocorreram na sequência da redução que o Banco Central Europeu tinha realizado em Dezembro de 2015 para -0,30% ao ano na sua taxa de referência. As autoridades monetárias, com o seu menu de alternativas já completamente esgotado, acreditam que os juros negativos estimularão os bancos a aumentarem o volume de empréstimos (captando a taxas negativas e emprestando a taxas positivas), contribuindo, desta forma, para a recuperação gradual das economias. Os investidores, por outro lado, consideram que a demanda de crédito é demasiado débil na economia e não será estimulada com mais oferta de dinheiro. Acreditam, portanto, que os juros negativos terão o único efeito de prejudicar as margens de lucros dos bancos em geral.
Para completar este sentimento negativo com relação à performance dos bancos, o aumento dos níveis de inadimplência dos empréstimos ficou evidente com a publicação dos balanços de 2015 das grandes instituições financeiras americanas e europeias entre o final de Janeiro e o início de Fevereiro, os quais mostraram resultados piores do que as estimativas iniciais do mercado. É muito difícil determinar qual o fator exato que leva a um efeito de manada nos mercados, mas o fato é que os investidores começaram a desovar principalmente os papéis de bancos na semana passada, levando à queda das bolsas.
Um dos bancos mais afetados foi o alemão Deutsche Bank (DB), que teve de fazer um anúncio ao longo da semana para acalmar depositantes e investidores, afirmando que a sua situação financeira permanece sólida. O DB apresentou os resultados de 2015 na segunda metade de Janeiro, mostrando um prejuízo de EUR 6,8 bilhões, boa parte como resultado de custos de restruturação, custos legais de infrações regulatórias, e provisões para inadimplência. O CDS (taxa de seguro contra a quebra, somente para lembrar e explicação que fiz mais acima) do DB chegou a 250 pontos, ou 2,6 vezes o nível de Dezembro de 2015, que era de 95 pontos, evidenciando os níveis de risco vislumbrados pelos investidores.
O mais curioso no meio de tudo isto, no entanto, foi a revelação dos riscos de mais um tipo de título emitido pelos bancos, os Contingent Convertible Bonds (ou Bonus Conversíveis Contingentes) que, no caso do DB, desvalorizaram em 21% ao longo da semana passada. Criados após a crise mundial de 2008, como resultado das medidas de aperfeiçoamento regulatório tentadas pelos Bancos Centrais através do Acordo de Basileia III, os Coco Bonds (como são apelidados no mercado financeiro internacional) começaram efetivamente a ser emitidos em maiores quantidades a partir de 2013. E, em apenas pouco mais de 2 anos, foi emitido um total de US$ 103 bilhões destes títulos, essencialmente pelos bancos europeus. Assim como no caso do DB, o valor dos Coco Bonds de vários outros bancos europeus como Credit Suisse, Société Générale, Barclays, entre outros, também colapsou. Mas, o que são estes títulos de nome tão exótico?
São, essencialmente, instrumentos híbridos entre capital e dívida (não são capital nem dívida, muito pelo contrário), os quais absorvem perdas quando os níveis de capital próprio do banco que emitiu os títulos cai abaixo de um patamar pré-determinado. Os níveis de capital próprio mínimo são normalmente aqueles determinados pelo Acordo de Basileia III. Não cabe aqui entrar em detalhes sobre o referido acordo dos Bancos Centrais do G-20, nem sobre o cálculo dos níveis de capital requeridos, mas é suficiente considerar que o gatilho para a maior parte dos Coco Bonds é um capital mínimo de 5,125% dos ativos dos bancos (ponderados pelo risco). Portanto, caso o gatilho definido contratualmente seja atingido, os investidores podem a) deixar de receber os juros sobre os Coco Bonds, b) ter estes papéis convertidos em ações, ou c) ter estes papéis cancelados e perder todo o montante investido nos casos mais extremos. Em troca destes riscos, o investidor recebe juros de entre 6% e 7% ao ano, quase o dobro do que pagam os papeis de dívida dos bancos na Europa.
Os Coco Bonds foram estimulados pelos reguladores europeus como forma de fomentar o reforço de capital dos bancos e fazer com que os investidores absorvam as perdas, em lugar dos contribuintes como aconteceu em 2008. Ao mesmo tempo, como os juros pagos sobre o papel são dedutíveis de imposto de renda como se fossem dívidas e, portanto, beneficiam os resultados, os bancos preferiram emitir estes papeis a emitirem novas ações. Criou-se, portanto, uma convergência de interesses inusitada entre os reguladores e os bancos, levando a uma explosão nos volumes emitidos destes títulos. Com a situação precária de muitos bancos europeus, entretanto, os investidores começaram a ver os riscos associados a estes papeis e iniciaram um movimento de venda em manada, levando ao pânico da semana passada.

Refletindo sobre os Coco Bonds ao longo do fim de semana, eu não pude deixar de relacioná-los ao carnaval e fazer uma analogia com a dança do siri, aquela que invadiu as redes sociais e os bailes durante os dias de folia. E não resisti à tentação de vislumbrar um acento circunflexo dançando entre o primeiro e o segundo ‘o’ do apelido criado pelos investidores internacionais para o nobre título, como o movimento da dança.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

NA AMAZÔNIA, UM PROJETO DE PADRES NÃO CELIBATÁRIOS. COISA DE FRANCISCO

Francisco de Roma (tem também o de Assis e outros) está andando rápido em sua trabalhosa tentativa de fazer voltar a Igreja Católica Romana ao Evangelho de Jesus Cristo. O tempo urge. Ele não é mais tão jovem e, além disso, lobos maus espreitam por todo lado, como Cúria Romana, máfias e outros. Segundo o testemunho de seu amigo Norberto Saracco, um pastor pentecostal argentino, em entrevista à revista National Geographic Magazine, Francisco quer introduzir mudanças imediatas, mesmo imaginando que assim “surgiria um monte de inimigos”. Fora as mudanças que já conseguiu operar, inclusive com a ajuda do Sínodo convocado ano passado (apesar de manobras de dissidentes), o papa pediu ao bispo Erwin Kräutler, um missionário austríaco abrasileirado que pastoreia a prelazia do Xingu e preside o Conselho Indigenista Missionário, que verificasse se, em sua prelazia, existem homens casados, de comprovada experiência e virtude, em condições de serem ordenados padres. Isso foi relatado por Claudio Bernabucci, correspondente em Roma da revista Carta Capital.
Kräutler, que conta com 25 padres em um território de 368 mil quilômetros quadrados, havia escrito a Francisco há cerca de um ano comunicando-lhe um pedido de bispos brasileiros sobre reforma nesse sentido. Sabe-se que um dos mentores espirituais do papa era o já falecido cardeal Martini, de Milão, que havia levantado temas como a “ carência de ministros ordenados, o papel da mulher na sociedade e na Igreja, a disciplina do casamento, a visão católica da sexualidade, a práxis penitencial, as relações com as igrejas irmãs da ortodoxia e, mais em geral, a necessidade de animar a esperança ecumênica, a relação entre democracia e valores e entre leis civis e lei moral”.
Esse projeto no Xingu dá uma consistente indicação de que Francisco deseja superar a obsoleta exigência canônica de celibato para quem quer se ordenar padre. Exigência não evangélica, mas do direito canônico, que só se consolidou, na Igreja Romana, a partir do século 11. Claro que o Evangelho não impede, antes estimula, uma dedicação integral a Deus e às coisas da religião, mas a castidade e o celibato não podem ser impostos por lei, pois são carisma,  graça. E é claro também que o papa não está se opondo ao carisma, à graça, apenas à obrigação canônica.
Acredita-se com sólida base que o tema do próximo Sínodo, a ser convocado por ele, será o celibato eclesiástico. Note-se que a instituição do Sínodo dos Bispos, enraizada na tradição do Colégio Apostólico no tempo em que o bispo de Roma ainda não assumira a “chefia” da Igreja, foi restaurada pelo Concílio dos anos 1960. No entanto, os papas que se seguiram a João 23, até o papa Ratzinger, não ligaram quase nada para tal restauração da tradição. Inclusive, as resoluções e decisões das reuniões regionais do episcopado só tinham validade com a chancela da Cúria Romana, que não tem o mínimo interesse em fortalecer a tradição apostólica. As coisas estão mudando com Francisco de Roma.

Concluímos com estas palavras de Kräutler: “O papa me pediu propostas concretas em relação,ao celibato eclesiástico. Ele quer agir na base do consenso [...]. Estamos num ponto crucial, de não retorno. Nem o próximo papa nem aquele que virá depois dele poderão voltar atrás do que Francisco está fazendo hoje”.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

EVOCAÇÕES LÍRICAS EM UM MUNDO MUITO LOUCO

Estamos nos despedindo do Carnaval de 2016. A assim dita “quarta-feira ingrata” já vem ali. Era quando, bem antigamente, a grande festa brasileira terminava mesmo. Aos primeiros albores do dia, as rádios começavam a tocar música clássica ou de fundo religioso. Os católicos iam receber as cinzas nas igrejas. “Adeus, adeus, minha gente, que já cantamos bastante. E o Recife adormecia, ficava a sonhar ao som da triste melodia”. Era a marcha regresso, recordada por Nelson Ferreira na famosa Evocação nº 1, de 1957.
Naquele ano, voltei de meus estudos na Europa e também descobri que não tinha vocação para ser padre, ou não tinha carisma para o celibato. Havia aqui no Recife uma gravadora com o selo Mocambo, de José Rozenblit, que espalhava a música pernambucana pelo Sul-Sudeste. Desde que desembarquei no Rio, comecei a ouvir com frequência a Evocação. Maravilha.
Já que falei que o Carnaval terminava mesmo na madrugada da quarta-feira, lembro que, durante a 2ª Guerra Mundial, muitos dos militares estadunidenses que serviam no Recife gostaram demais da festa e não entendiam o silêncio que se impunha na quarta. Conta-se que, terminado um baile de terça à noite, um oficial perguntou, ao ouvir só música bem comportada, “Por que não mais Cecília?”. Era uma marchinha que dizia “Ai, ai, Cecília!”. O inesquecível cônsul francês aqui, Marcel Morin, nos anos 1950-60, também adorava o Carnaval e era sócio do Madeiras do Rosarinho. Eu nunca fui de enfrenar grandes aglomerações, preferindo o sossego tão criativo dos blocos líricos. Quando ainda podia pular, frequentei muito os acertos do Bloco da Saudade, que descobri através do saudoso amigo Moisés Kertsman.
Bem, findo, mais ou menos, o Carnaval, dou uma olhada por este mundo velho em que vivemos (ou quase). Deus do Céu!; está muito ruim. O ditador lá da Síria não larga o osso, preferindo que centenas de milhares de pessoas, inclusive crianças, continuem morrendo sem sentido. Carnificina não só lá, mas também em países vizinhos, onde apareceu um califado cujo sanguinário e fanático chefão não tem nada a ver com aqueles velhos califas de Bagdá, de Córdoba. Parece que não leu, ou não entendeu, o Corão.
A superpotência que os EUA ainda são prossegue achando que é o único império eterno, ignorando os declínios de tantos outros, como o Persa, o Romano, o Britânico. E agindo de acordo com essa crença. Também, pudera: quando do colapso da União Soviética, um “sábio” estadunidense de sobrenome japonês decretou o fim da história. O capitalismo estava vitorioso e todos seriam felizes para sempre. Amém. Todos? Que importa que ricaços e especuladores rentistas acumulem sozinhos (por desígnio divino?) a imensa maioria das riquezas que o mundo criou, naturais, culturais, tudo.

Aqui em Pindorama, governo e país estão paralisados à disposição de figuras tronchas como o presidente da Câmara, comprovadamente corrupto, e como os neogolpistas do PSDB, DEM, PPS et caterva. Não se deixa o governo funcionar, para dar embasamento a um impeachment canhestro; e o neogolpismo cerca Lula (cujo prestígio continua imbatível segundo pesquisa do Vox Populi produzida há pouco mais de um mês). Qualquer invencionice, propagada pela grande imprensa e redes sociais, serve a esse fim. Lembre-se que a Justiça é de classe (não pela qualidade; mas no embate da luta de classes).

sábado, 6 de fevereiro de 2016

O BÊBADO E A EQUILIBRISTA ALI NA PRAÇA DA PREGUIÇA, EM OLINDA

No Jornal do Commercio de terça-feira passada, o professor Flávio Brayner escreveu gostosa crônica sobre um Carnaval de certo modo politizado que se podia brincar na Praça da Preguiça, em Olinda, em torno da barraca O Bêbado e a Equilibrista, sob o pontificado de Abelardo Caminha. Quando digo pontificado, me vem à mente os muitos pontos de convergência entre o cristianismo e o comunismo. É claro que o comunismo marxista se baseia no materialismo dialético e histórico teorizado por Marx e Engels. Estes, no entanto, beberam na mesma filosofia socrática e aristotélica que constitui a base da reflexão filosófica utilizada pelo cristianismo; com base no que a devastação dos bárbaros permitiu que sobrasse das obras daqueles gregos, muita coisa recuperada e preservada por árabes como Avicena e Averroes, no Reino de Córdoba.
Outro ponto de convergência é a pregação de Jesus Cristo vivida pelos primeiros cristãos, nos albores do cristianismo, e descrita no livro dos Atos dos Apóstolos, que era muito apreciado por Engels. Lembremos que o líder comunista italiano Berlinguer tentou unir politicamente a Democracia Cristiana com o Partido Comunista Italiano. A máfia dominante na DC não permitiu e ainda deixou que matassem o sequestrado ex-primeiro-ministro Aldo Moro.
Voltando à Praça da Preguiça e a O Bêbado e a Equilibrista, descreve Brayner: “O personagem que condensava  essa inusitada mistura de festa e utopia, de dessublimação libertária era Abelardo Caminha. Postado como um São Pedro à porta do Céu, [...]. Abelardo defendia  sua religião partidária, do início ao fim de cada garrafa [...]. Abelardo era comunista arlequinesco, que provavelmente acreditava que na nova ordem social revolucionária haveria Carnaval todo dia”.
Eu passei muito tempo fora do Recife depois do golpe de 1964, só voltando a me reintegrar definitivamente por cá após a anistia de 1979. Daí ter perdido contato com muitos daqueles (da União da Juventude Comunista) com quem convivi a militei nas memoráveis campanhas da Frente do Recife. Mas lembro bem de Abelardo Caminha e das libações e papos utópicos do ambiente descrito por Brayner. Lamento muito a rasteira que quiseram dar no velho Partidão, liderada por Roberto Freire, que virou acólito de golpistas enrustidos ou não.
O Partidão (o velho PCB de 1922), que congregava a esquerda brasileira quase com exclusividade, terminou muito encolhido, não só devido àquela rasteira muito sacana, mas com a multiplicação de agremiações que derivaram do comunismo após o golpe. O Partidão nunca aderiu à luta armada, pois sabia que estudantes e pequeno-burgueses não tinham condições para enfrentar um exército muito bem armado e treinado pelos Estados Unidos, que impuseram o golpe. Mesmo assim, quando os assassinos e torturadores que reinaram por 21 anos não tinham mais ninguém, ou quase, para atacar, começaram a assassinar comunistas do Partidão, como Davi Capistrano, Wladimir Herzog e muitos outros.

Já o PCdoB, uma dissidência do início dos anos 1960, que hoje se livrou de qualquer coloração comunista, fez a fracassada Guerrilha do Araguaia e se proclamava o único PC autêntico, maoísta, revolucionário. O cão do segundo livro. Hoje virou linha auxiliar do PT e ocupa até o Ministério da Defesa.