No Jornal
do Commercio de terça-feira passada, o professor Flávio Brayner escreveu
gostosa crônica sobre um Carnaval de certo modo politizado que se podia brincar
na Praça da Preguiça, em Olinda, em torno da barraca O Bêbado e a Equilibrista,
sob o pontificado de Abelardo Caminha. Quando digo pontificado, me vem à mente
os muitos pontos de convergência entre o cristianismo e o comunismo. É claro
que o comunismo marxista se baseia no materialismo dialético e histórico teorizado
por Marx e Engels. Estes, no entanto, beberam na mesma filosofia socrática e
aristotélica que constitui a base da reflexão filosófica utilizada pelo
cristianismo; com base no que a devastação dos bárbaros permitiu que sobrasse
das obras daqueles gregos, muita coisa recuperada e preservada por árabes como Avicena
e Averroes, no Reino de Córdoba.
Outro ponto de convergência é a pregação de
Jesus Cristo vivida pelos primeiros cristãos, nos albores do cristianismo, e
descrita no livro dos Atos dos Apóstolos,
que era muito apreciado por Engels. Lembremos que o líder comunista italiano
Berlinguer tentou unir politicamente a Democracia Cristiana com o Partido
Comunista Italiano. A máfia dominante na DC não permitiu e ainda deixou que matassem
o sequestrado ex-primeiro-ministro Aldo Moro.
Voltando à Praça da Preguiça e a O Bêbado e a
Equilibrista, descreve Brayner: “O personagem que condensava essa inusitada mistura de festa e utopia, de
dessublimação libertária era Abelardo Caminha. Postado como um São Pedro à
porta do Céu, [...]. Abelardo defendia
sua religião partidária, do início ao fim de cada garrafa [...]. Abelardo
era comunista arlequinesco, que provavelmente acreditava que na nova ordem
social revolucionária haveria Carnaval todo dia”.
Eu passei muito tempo fora do Recife depois do
golpe de 1964, só voltando a me reintegrar definitivamente por cá após a
anistia de 1979. Daí ter perdido contato com muitos daqueles (da União da
Juventude Comunista) com quem convivi a militei nas memoráveis campanhas da
Frente do Recife. Mas lembro bem de Abelardo Caminha e das libações e papos
utópicos do ambiente descrito por Brayner. Lamento muito a rasteira que quiseram
dar no velho Partidão, liderada por Roberto Freire, que virou acólito de
golpistas enrustidos ou não.
O Partidão (o velho PCB de 1922), que
congregava a esquerda brasileira quase com exclusividade, terminou muito
encolhido, não só devido àquela rasteira muito sacana, mas com a multiplicação
de agremiações que derivaram do comunismo após o golpe. O Partidão nunca aderiu
à luta armada, pois sabia que estudantes e pequeno-burgueses não tinham
condições para enfrentar um exército muito bem armado e treinado pelos Estados
Unidos, que impuseram o golpe. Mesmo assim, quando os assassinos e torturadores
que reinaram por 21 anos não tinham mais ninguém, ou quase, para atacar,
começaram a assassinar comunistas do Partidão, como Davi Capistrano, Wladimir
Herzog e muitos outros.
Já o PCdoB, uma dissidência do início dos anos 1960, que hoje se livrou de qualquer coloração comunista, fez a fracassada
Guerrilha do Araguaia e se proclamava o único PC autêntico, maoísta,
revolucionário. O cão do segundo livro. Hoje virou linha auxiliar do PT e ocupa
até o Ministério da Defesa.
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