quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

EUROPEUS SEM EUROPA. PODE?

Prezadas e tolerantes leitoras, prezados e tolerantes leitores, mais uma vez sou atropelado, em meu esconderijo de Aldeia, pois os visigodos atacaram de novo. E quando eles atacam, graças à “privataria tucana” (leiam o livro homônimo), todo o restante dos serviços públicos premiados pela “privataria” e outros negam fogo; como telefone, internet. Por isso não pude divulgar minha postagem do início desta semana. Em compensação, vai aí a primeira colaboração do economista Carlos Emanuel, veterano executivo de multinacionais.
Antes de postar a colaboração dele, passo-lhes este pensamento de Ziraldo: “Somos os europeus mais infelizes do mundo, porque não temos a Europa”.

Os Investidores Internacionais e a Dança do Siri

A esmagadora maioria de nós não se deu conta, enquanto pulava animadamente o carnaval na semana passada, tentando afogar as mágoas e espantar a crise por alguns dias, da visita assombrosa do fantasma da crise de 2008 nos mercados financeiros internacionais. As bolsas despencaram no mundo inteiro. O índice Nikkei do Japão caiu 11,1% ao longo da semana, a maior queda semanal desde Outubro de 2008. O EuroStoxx 600, que reúne as empresas europeias, desabou 5,81%, atingindo o nível mais baixo dos últimos 3 anos. E o Dow Jones, índice da Bolsa de Nova Iorque, recuou 3,36%.
Além da queda no mercado acionário, o risco país das principais economias europeias disparou na semana passada. Medido pelo CDS (Credit Default Swap), que é um instrumento derivativo complexo mas pode ser resumido como um seguro contra a quebra de um emissor de títulos de dívida, o risco da França subiu de 29 para 40 pontos (0,40% de prêmio de seguro sobre a dívida soberana francesa), o da Alemanha pulou de 15 para 22 pontos, e o do Reino Unido aumentou de 28 para 34 pontos. Parecem níveis baixíssimos quando comparados com o CDS do Brasil, que tem oscilado muito próximo dos 500 pontos ao longo deste início de 2016, mas o aumento relativo do risco dos países europeus em apenas 1 semana foi muito significativo. O que provocou, então, este sobressalto generalizado no mundo das finanças internacionais durante a nossa semana de carnaval, e durante as comemorações do ano novo chinês?
Há muitas razões para uma onda de aversão ao risco no mundo, entre elas o baixo crescimento econômico dos países desenvolvidos, a desaceleração do gigante chinês, a crise das empresas de energia com a queda livre dos preços do petróleo, o fantasma da deflação nas economias do Primeiro Mundo (para lembrar aquela definição da época da Guerra Fria), a crise de imigração na Europa, a interminável guerra na Síria, entre vários outros que decorrem dos primeiros. Entre estes últimos, ou seja, aqueles fatores que são consequência dos primeiros, destacam-se as taxas de juros negativas no Japão e na Europa, usadas para tentar estimular as economias, e o aumento da inadimplência nos empréstimos bancários. Ambos com efeitos negativos para os bancos, que foram os grandes vilões da semana.
A autoridade monetária japonesa anunciou no final de Janeiro a redução das taxas sobre os recursos bancários depositados no Banco Central para -0,1%, enquanto o Banco Central da Suécia surpreendeu a todos com um corte das taxas de juros na semana passada para -0,50%. Estes movimentos ocorreram na sequência da redução que o Banco Central Europeu tinha realizado em Dezembro de 2015 para -0,30% ao ano na sua taxa de referência. As autoridades monetárias, com o seu menu de alternativas já completamente esgotado, acreditam que os juros negativos estimularão os bancos a aumentarem o volume de empréstimos (captando a taxas negativas e emprestando a taxas positivas), contribuindo, desta forma, para a recuperação gradual das economias. Os investidores, por outro lado, consideram que a demanda de crédito é demasiado débil na economia e não será estimulada com mais oferta de dinheiro. Acreditam, portanto, que os juros negativos terão o único efeito de prejudicar as margens de lucros dos bancos em geral.
Para completar este sentimento negativo com relação à performance dos bancos, o aumento dos níveis de inadimplência dos empréstimos ficou evidente com a publicação dos balanços de 2015 das grandes instituições financeiras americanas e europeias entre o final de Janeiro e o início de Fevereiro, os quais mostraram resultados piores do que as estimativas iniciais do mercado. É muito difícil determinar qual o fator exato que leva a um efeito de manada nos mercados, mas o fato é que os investidores começaram a desovar principalmente os papéis de bancos na semana passada, levando à queda das bolsas.
Um dos bancos mais afetados foi o alemão Deutsche Bank (DB), que teve de fazer um anúncio ao longo da semana para acalmar depositantes e investidores, afirmando que a sua situação financeira permanece sólida. O DB apresentou os resultados de 2015 na segunda metade de Janeiro, mostrando um prejuízo de EUR 6,8 bilhões, boa parte como resultado de custos de restruturação, custos legais de infrações regulatórias, e provisões para inadimplência. O CDS (taxa de seguro contra a quebra, somente para lembrar e explicação que fiz mais acima) do DB chegou a 250 pontos, ou 2,6 vezes o nível de Dezembro de 2015, que era de 95 pontos, evidenciando os níveis de risco vislumbrados pelos investidores.
O mais curioso no meio de tudo isto, no entanto, foi a revelação dos riscos de mais um tipo de título emitido pelos bancos, os Contingent Convertible Bonds (ou Bonus Conversíveis Contingentes) que, no caso do DB, desvalorizaram em 21% ao longo da semana passada. Criados após a crise mundial de 2008, como resultado das medidas de aperfeiçoamento regulatório tentadas pelos Bancos Centrais através do Acordo de Basileia III, os Coco Bonds (como são apelidados no mercado financeiro internacional) começaram efetivamente a ser emitidos em maiores quantidades a partir de 2013. E, em apenas pouco mais de 2 anos, foi emitido um total de US$ 103 bilhões destes títulos, essencialmente pelos bancos europeus. Assim como no caso do DB, o valor dos Coco Bonds de vários outros bancos europeus como Credit Suisse, Société Générale, Barclays, entre outros, também colapsou. Mas, o que são estes títulos de nome tão exótico?
São, essencialmente, instrumentos híbridos entre capital e dívida (não são capital nem dívida, muito pelo contrário), os quais absorvem perdas quando os níveis de capital próprio do banco que emitiu os títulos cai abaixo de um patamar pré-determinado. Os níveis de capital próprio mínimo são normalmente aqueles determinados pelo Acordo de Basileia III. Não cabe aqui entrar em detalhes sobre o referido acordo dos Bancos Centrais do G-20, nem sobre o cálculo dos níveis de capital requeridos, mas é suficiente considerar que o gatilho para a maior parte dos Coco Bonds é um capital mínimo de 5,125% dos ativos dos bancos (ponderados pelo risco). Portanto, caso o gatilho definido contratualmente seja atingido, os investidores podem a) deixar de receber os juros sobre os Coco Bonds, b) ter estes papéis convertidos em ações, ou c) ter estes papéis cancelados e perder todo o montante investido nos casos mais extremos. Em troca destes riscos, o investidor recebe juros de entre 6% e 7% ao ano, quase o dobro do que pagam os papeis de dívida dos bancos na Europa.
Os Coco Bonds foram estimulados pelos reguladores europeus como forma de fomentar o reforço de capital dos bancos e fazer com que os investidores absorvam as perdas, em lugar dos contribuintes como aconteceu em 2008. Ao mesmo tempo, como os juros pagos sobre o papel são dedutíveis de imposto de renda como se fossem dívidas e, portanto, beneficiam os resultados, os bancos preferiram emitir estes papeis a emitirem novas ações. Criou-se, portanto, uma convergência de interesses inusitada entre os reguladores e os bancos, levando a uma explosão nos volumes emitidos destes títulos. Com a situação precária de muitos bancos europeus, entretanto, os investidores começaram a ver os riscos associados a estes papeis e iniciaram um movimento de venda em manada, levando ao pânico da semana passada.

Refletindo sobre os Coco Bonds ao longo do fim de semana, eu não pude deixar de relacioná-los ao carnaval e fazer uma analogia com a dança do siri, aquela que invadiu as redes sociais e os bailes durante os dias de folia. E não resisti à tentação de vislumbrar um acento circunflexo dançando entre o primeiro e o segundo ‘o’ do apelido criado pelos investidores internacionais para o nobre título, como o movimento da dança.

Nenhum comentário: