Prezadas e tolerantes
leitoras, prezados e tolerantes leitores, mais uma vez sou atropelado, em meu
esconderijo de Aldeia, pois os visigodos atacaram de novo. E quando eles atacam,
graças à “privataria tucana” (leiam o livro homônimo), todo o restante dos
serviços públicos premiados pela “privataria” e outros negam fogo; como
telefone, internet. Por isso não pude divulgar minha postagem do início desta
semana. Em compensação, vai aí a primeira colaboração do economista Carlos
Emanuel, veterano executivo de multinacionais.
Antes de postar a colaboração
dele, passo-lhes este pensamento de Ziraldo: “Somos os europeus mais infelizes
do mundo, porque não temos a Europa”.
Os
Investidores Internacionais e a Dança do Siri
A esmagadora maioria de
nós não se deu conta, enquanto pulava animadamente o carnaval na semana
passada, tentando afogar as mágoas e espantar a crise por alguns dias, da
visita assombrosa do fantasma da crise de 2008 nos mercados financeiros
internacionais. As bolsas despencaram no mundo inteiro. O índice Nikkei do
Japão caiu 11,1% ao longo da semana, a maior queda semanal desde Outubro de
2008. O EuroStoxx 600, que reúne as empresas europeias, desabou 5,81%,
atingindo o nível mais baixo dos últimos 3 anos. E o Dow Jones, índice da Bolsa
de Nova Iorque, recuou 3,36%.
Além da queda no mercado
acionário, o risco país das principais economias europeias disparou na semana
passada. Medido pelo CDS (Credit Default Swap), que é um instrumento derivativo
complexo mas pode ser resumido como um seguro contra a quebra de um emissor de
títulos de dívida, o risco da França subiu de 29 para 40 pontos (0,40% de
prêmio de seguro sobre a dívida soberana francesa), o da Alemanha pulou de 15
para 22 pontos, e o do Reino Unido aumentou de 28 para 34 pontos. Parecem
níveis baixíssimos quando comparados com o CDS do Brasil, que tem oscilado
muito próximo dos 500 pontos ao longo deste início de 2016, mas o aumento
relativo do risco dos países europeus em apenas 1 semana foi muito
significativo. O que provocou, então, este sobressalto generalizado no mundo
das finanças internacionais durante a nossa semana de carnaval, e durante as
comemorações do ano novo chinês?
Há muitas razões para uma
onda de aversão ao risco no mundo, entre elas o baixo crescimento econômico dos
países desenvolvidos, a desaceleração do gigante chinês, a crise das empresas
de energia com a queda livre dos preços do petróleo, o fantasma da deflação nas
economias do Primeiro Mundo (para lembrar aquela definição da época da Guerra
Fria), a crise de imigração na Europa, a interminável guerra na Síria, entre
vários outros que decorrem dos primeiros. Entre estes últimos, ou seja, aqueles
fatores que são consequência dos primeiros, destacam-se as taxas de juros
negativas no Japão e na Europa, usadas para tentar estimular as economias, e o
aumento da inadimplência nos empréstimos bancários. Ambos com efeitos negativos
para os bancos, que foram os grandes vilões da semana.
A autoridade monetária
japonesa anunciou no final de Janeiro a redução das taxas sobre os recursos
bancários depositados no Banco Central para -0,1%, enquanto o Banco Central da
Suécia surpreendeu a todos com um corte das taxas de juros na semana passada
para -0,50%. Estes movimentos ocorreram na sequência da redução que o Banco
Central Europeu tinha realizado em Dezembro de 2015 para -0,30% ao ano na sua
taxa de referência. As autoridades monetárias, com o seu menu de alternativas
já completamente esgotado, acreditam que os juros negativos estimularão os
bancos a aumentarem o volume de empréstimos (captando a taxas negativas e
emprestando a taxas positivas), contribuindo, desta forma, para a recuperação
gradual das economias. Os investidores, por outro lado, consideram que a
demanda de crédito é demasiado débil na economia e não será estimulada com mais
oferta de dinheiro. Acreditam, portanto, que os juros negativos terão o único
efeito de prejudicar as margens de lucros dos bancos em geral.
Para completar este
sentimento negativo com relação à performance dos bancos, o aumento dos níveis
de inadimplência dos empréstimos ficou evidente com a publicação dos balanços
de 2015 das grandes instituições financeiras americanas e europeias entre o
final de Janeiro e o início de Fevereiro, os quais mostraram resultados piores
do que as estimativas iniciais do mercado. É muito difícil determinar qual o
fator exato que leva a um efeito de manada nos mercados, mas o fato é que os
investidores começaram a desovar principalmente os papéis de bancos na semana
passada, levando à queda das bolsas.
Um dos bancos mais
afetados foi o alemão Deutsche Bank (DB), que teve de fazer um anúncio ao longo
da semana para acalmar depositantes e investidores, afirmando que a sua
situação financeira permanece sólida. O DB apresentou os resultados de 2015 na
segunda metade de Janeiro, mostrando um prejuízo de EUR 6,8 bilhões, boa parte
como resultado de custos de restruturação, custos legais de infrações
regulatórias, e provisões para inadimplência. O CDS (taxa de seguro contra a
quebra, somente para lembrar e explicação que fiz mais acima) do DB chegou a
250 pontos, ou 2,6 vezes o nível de Dezembro de 2015, que era de 95 pontos,
evidenciando os níveis de risco vislumbrados pelos investidores.
O mais curioso no meio de
tudo isto, no entanto, foi a revelação dos riscos de mais um tipo de título
emitido pelos bancos, os Contingent Convertible Bonds (ou Bonus Conversíveis
Contingentes) que, no caso do DB, desvalorizaram em 21% ao longo da semana
passada. Criados após a crise mundial de 2008, como resultado das medidas de
aperfeiçoamento regulatório tentadas pelos Bancos Centrais através do Acordo de
Basileia III, os Coco Bonds (como são apelidados no mercado financeiro
internacional) começaram efetivamente a ser emitidos em maiores quantidades a
partir de 2013. E, em apenas pouco mais de 2 anos, foi emitido um total de US$
103 bilhões destes títulos, essencialmente pelos bancos europeus. Assim como no
caso do DB, o valor dos Coco Bonds de vários outros bancos europeus como Credit
Suisse, Société Générale, Barclays, entre outros, também colapsou. Mas, o que
são estes títulos de nome tão exótico?
São, essencialmente,
instrumentos híbridos entre capital e dívida (não são capital nem dívida, muito
pelo contrário), os quais absorvem perdas quando os níveis de capital próprio
do banco que emitiu os títulos cai abaixo de um patamar pré-determinado. Os
níveis de capital próprio mínimo são normalmente aqueles determinados pelo
Acordo de Basileia III. Não cabe aqui entrar em detalhes sobre o referido
acordo dos Bancos Centrais do G-20, nem sobre o cálculo dos níveis de capital
requeridos, mas é suficiente considerar que o gatilho para a maior parte dos
Coco Bonds é um capital mínimo de 5,125% dos ativos dos bancos (ponderados pelo
risco). Portanto, caso o gatilho definido contratualmente seja atingido, os
investidores podem a) deixar de receber os juros sobre os Coco Bonds, b) ter
estes papéis convertidos em ações, ou c) ter estes papéis cancelados e perder
todo o montante investido nos casos mais extremos. Em troca destes riscos, o
investidor recebe juros de entre 6% e 7% ao ano, quase o dobro do que pagam os
papeis de dívida dos bancos na Europa.
Os Coco Bonds foram
estimulados pelos reguladores europeus como forma de fomentar o reforço de
capital dos bancos e fazer com que os investidores absorvam as perdas, em lugar
dos contribuintes como aconteceu em 2008. Ao mesmo tempo, como os juros pagos
sobre o papel são dedutíveis de imposto de renda como se fossem dívidas e,
portanto, beneficiam os resultados, os bancos preferiram emitir estes papeis a
emitirem novas ações. Criou-se, portanto, uma convergência de interesses
inusitada entre os reguladores e os bancos, levando a uma explosão nos volumes
emitidos destes títulos. Com a situação precária de muitos bancos europeus,
entretanto, os investidores começaram a ver os riscos associados a estes papeis
e iniciaram um movimento de venda em manada, levando ao pânico da semana
passada.
Refletindo sobre os Coco
Bonds ao longo do fim de semana, eu não pude deixar de relacioná-los ao
carnaval e fazer uma analogia com a dança do siri, aquela que invadiu as redes
sociais e os bailes durante os dias de folia. E não resisti à tentação de
vislumbrar um acento circunflexo dançando entre o primeiro e o segundo ‘o’ do
apelido criado pelos investidores internacionais para o nobre título, como o
movimento da dança.
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