Continuando. O jornalista Elio Gasperi, que
escreveu uma crônica caprichada dos anos de ditadura, pespegou um apelido
infamante à indenização para anistiados criada pelo xogum Fernando 2º (FHC): “Bolsa
Ditadura”. Para ele, o anistiado que requereu indenização estava necessariamente
arrependido do que pensara no passado e ainda queria ganhar uns trocados para
compensar o arrependimento. Coisa de quem só recebeu benefícios dos tempos de
ditadura e nada entende da luta de quem acreditava, antes do golpe, que chegara
a hora de um Brasil rico para todos, com autonomia diante dos Estados Unidos e
outros países desenvolvidos. Desenvolvidos graças à pilhagem colonialista baseada
no complexo de superioridade da eurorraça; não cabe somente a Hitler o conceito
de raça superior. Aliás, essa conversa de raça é com animais; gatos, cachorros,
por exemplo. Com gente é diferente, é etnia.
Quando fui demitido da Universidade do Recife
(hoje UFPE) em outubro de 1964, pensei em recorrer à Justiça (mesmo à Justiça descafeinada
pela ditadura), pois todos os acusados da universidade tinham sido absolvidos por
uma Comissão Geral de Investigações criada pela ditadura logo após o golpe e, além
disso, não sendo militar, não tinha por que ser inquirido, julgado e condenado
por um IPM (o general Pery Bevilaqua entendeu isso quando nos concedeu habeas
corpus no Superior Tribunal Militar, todos do lote encabeçado pelo colega de
jornalismo e amigo Arthur Carvalho. Mas logo vi que recorrer à Justiça numa
ditadura seria como dar murro em ponta de faca. Diante de tudo isso, acho que
tinha direito a entrar na fila da indenização, que compensaria um pouco todas
aquelas sacanagens que padeci por obra de milicos entreguistas que se prestaram
a servir de tropa de ocupação de uma potência estrangeira.
A questão a que
aludi no início destas considerações de falta de critérios para o julgamento
dos pedidos de indenização de anistiados e de “advocatização” dos casos tomou
ares escandalosos com a concessão ao escritor e jornalista Carlos Heitor Cony,
pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, de uma pensão mensal R$23 mil,
reduzida a R$19 mil por uma regra que determina como teto o salário do
presidente do STF, e mais R$1,14 milhão de retroativos. Para a comissão, a base
para tanta generosidade concentrada em um caso foi a profissão exercida pelo
beneficiado; tentou estimar qual posto ele poderia ter alcançado na carreira.
Quando eu trabalhava no Grupo Manchete, uns sete anos depois do golpe, Cony era
uma espécie de guru intelectual e ghost writer de Adolfo Bloch ganhando muito
bem. De boas fontes, sabe-se que ele foi o autor do editorial do Correio da Manhã do dia 1º de abril de
1964, sob o título “Basta!”, afirmando que havia chegado a hora de Jango ser
derrubado do poder. É verdade que, seguindo o rumo tomado pela sra. Niomar
Sodré Bittencourt, proprietária daquele jornal, ele passou logo a combater os
desmandos dos golpistas.
Concluo na próxima postagem.
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