Transcrevo hoje um artigo meu que saiu sábado
passado (5 de abril) no Jornal do
Commercio.
ANTICOMEMORAÇÕES
Desde o mês passado, estamos em plenas
anticomemorações ou descomemorações da “Gloriosa Revolução Redentora de 31 de
Março de 1964”, hoje reconhecida como golpe, e passando para 1º de abril, até
pela Rede Globo, ingrata, que cospe no prato em que tanto comeu e se lambuzou.
Acho que tenho obrigação para com minhas leitoras e meus leitores de dar também
o meu testemunho. Após muita militância política na Faculdade de Direito e nas
campanhas de Miguel Arraes e Pelópidas Silveira, eu estava mais dedicado ao
trabalho na equipe de Paulo Freire (UR, hoje UFPE) e mais amoitado. Casara havia
pouco e já tinha um filho e outro em preparação. Como a universidade não era
campo prioritário de “subversivos” para os coronéis Ibiapina e Bandeira, os
vice-reis neste pedaço, ficamos mais tranquilos. Respondemos a uma Comissão
Geral de Investigações, nacional, e ficamos, nós do SEC, onde se desenvolvia o
trabalho do Sistema Paulo Freire de Educação, sem função, enquanto uma horda de
aproveitadores carregava dali todo tipo de material, como projetores, livros,
arquivos, inclusive os da Rádio Universitária, dirigida pelo SEC (Laurênio
Melo, ex BBC).
A nossa falta de sorte foi que o mestre
Gilberto Freyre, que eu vejo como um grande literato, tinha uma pendenga com o
reitor João Alfredo e viu na nova ordem uma boa ocasião de derrubá-lo
descobrindo algum antro “comunista” na universidade. Insistiu junto aos
militares até julho, mais ou menos, quando eles instituíram um Inquérito
Policial Militar (IPM), sob o comando de um tal de major, ou capitão, Manuel
Paes. Esse cara me ouviu numa sala da antiga Reitoria (no Treze de Maio) e
insistiu para saber de desentendimentos no SEC; que os havia. Eu achei que não
era o momento e o lugar adequados para tratar disso e não falei nada, só do
trabalho que fazíamos. Certamente ele não gostou e, no início de agosto, chegam
umas figuras estranhas lá em casa e me dizem que o coronel Ibiapina queria me
ouvir. Estranhei, pois esse militar não estava interessado na universidade.
Avisei minha mulher, que dera à luz nosso segundo filho em abril, e embarquei
num jipe que me largou na sede do então IV Exército, bem na boca do lobo.
Disseram pra me sentar por ali num banco e eu fiquei mofando até meio-dia,
quando chegou um milico e me disse para acompanhá-lo. Que estranho, pensei, o
cara, em vez de ir almoçar, me chama a esta hora. Mas meu destino era outro.
Gente, tem muita coisa pra contar; viver é
muito perigoso mesmo. Como estou escrevendo neste espaço somente uma vez por
mês, continuarei no meu blogue, que vocês podem acessar assim:
blogdenegoveio.blogspot.com.br.
(Fim do artigo.)
Como prometido, continuo aqui hoje. Quando o
milico me chamou, pensei que ia ser ouvido pelo temível coronel, que tinha o
nome de um santo missionário do Nordeste. Mas fui levado a uma cafua, num pátio
central que servia às sedes do então IV Exército e da VII Região Militar (hoje
ambas no Curado) e também ao hospital militar (Hospital Geral do Recife – HGR).
Hoje todo aquele quarteirão abriga o hospital. Aliás, naquele pátio funcionavam
duas cafuas destinadas a recrutas insubmissos. Uma delas foi reservada pros
presos políticos, os de repente “subversivos”. Isso sem mandato, claro, e sem
direito a saber por que estavam no xilindró. Num espaço onde caberiam mal dez
pessoas, havia mais de vinte. Poucos conhecidos. Havia alguns estudantes de
engenharia, Não tinha como avisar minha mulher, com quem eu era casado naquela
época. Mas, como eu não havia regressado, ela avisou a família
Pr’ocê ver como esses caras faziam questão de
proceder tortuosamente. O capitão do IPM da universidade, em vez de mandar me prender
(no bojo da baderna instituída pelos golpistas, ele tinha esse “direito”),
inventa uma conversa de coronel Ibiapina, quem sabe para fazer terrorismo, pois
esse militar era, junto com o famoso coronel Bandeira, o manda-chuva de
Pernambuco, ambos agindo de arbitrariedade em arbitrariedade. Felizmente, não
sofri tortura física, embora só o fato de tirar o sujeito de casa por nada e
trancafiá-lo num cubículo superpovoado já seja uma baita violência. Eu sempre
digo que, como não havia prestado serviço militar, pois fui seminarista um
tempo e esses eram dispensados, tive a ocasião de prestá-lo mais tarde graças
ao golpe de 1964.
Minha sorte é que, depois de alguns casos de
maus tratos, nos primeiros meses da Redentora, o então coronel Oldano Pontual,
que era médico e diretor do HGR, exigiu que aquela cafua em que caí depois passasse
para a jurisdição do hospital. E colocou como carcereiro uma excelente figura
que nunca mais vi, e também não esqueci, o tenente Orion, um gaúcho gente fina
que nos tratava como gente. Mais adiante, quando colaborava num jornalzinho de
Moysés Kertsman (Informe), conheci a
moça que fazia a parte de arte, a grande pintora Isa Pontual, que é filha do
coronel Oldano.
Mas, gente, vou dar uma paradinha e continuo
na outra semana.
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