quarta-feira, 9 de abril de 2014

SERVIÇO MILITAR FORA DE ÉPOCA



Transcrevo hoje um artigo meu que saiu sábado passado (5 de abril) no Jornal do Commercio.
ANTICOMEMORAÇÕES

Desde o mês passado, estamos em plenas anticomemorações ou descomemorações da “Gloriosa Revolução Redentora de 31 de Março de 1964”, hoje reconhecida como golpe, e passando para 1º de abril, até pela Rede Globo, ingrata, que cospe no prato em que tanto comeu e se lambuzou. Acho que tenho obrigação para com minhas leitoras e meus leitores de dar também o meu testemunho. Após muita militância política na Faculdade de Direito e nas campanhas de Miguel Arraes e Pelópidas Silveira, eu estava mais dedicado ao trabalho na equipe de Paulo Freire (UR, hoje UFPE) e mais amoitado. Casara havia pouco e já tinha um filho e outro em preparação. Como a universidade não era campo prioritário de “subversivos” para os coronéis Ibiapina e Bandeira, os vice-reis neste pedaço, ficamos mais tranquilos. Respondemos a uma Comissão Geral de Investigações, nacional, e ficamos, nós do SEC, onde se desenvolvia o trabalho do Sistema Paulo Freire de Educação, sem função, enquanto uma horda de aproveitadores carregava dali todo tipo de material, como projetores, livros, arquivos, inclusive os da Rádio Universitária, dirigida pelo SEC (Laurênio Melo, ex BBC).
A nossa falta de sorte foi que o mestre Gilberto Freyre, que eu vejo como um grande literato, tinha uma pendenga com o reitor João Alfredo e viu na nova ordem uma boa ocasião de derrubá-lo descobrindo algum antro “comunista” na universidade. Insistiu junto aos militares até julho, mais ou menos, quando eles instituíram um Inquérito Policial Militar (IPM), sob o comando de um tal de major, ou capitão, Manuel Paes. Esse cara me ouviu numa sala da antiga Reitoria (no Treze de Maio) e insistiu para saber de desentendimentos no SEC; que os havia. Eu achei que não era o momento e o lugar adequados para tratar disso e não falei nada, só do trabalho que fazíamos. Certamente ele não gostou e, no início de agosto, chegam umas figuras estranhas lá em casa e me dizem que o coronel Ibiapina queria me ouvir. Estranhei, pois esse militar não estava interessado na universidade. Avisei minha mulher, que dera à luz nosso segundo filho em abril, e embarquei num jipe que me largou na sede do então IV Exército, bem na boca do lobo. Disseram pra me sentar por ali num banco e eu fiquei mofando até meio-dia, quando chegou um milico e me disse para acompanhá-lo. Que estranho, pensei, o cara, em vez de ir almoçar, me chama a esta hora. Mas meu destino era outro.
Gente, tem muita coisa pra contar; viver é muito perigoso mesmo. Como estou escrevendo neste espaço somente uma vez por mês, continuarei no meu blogue, que vocês podem acessar assim: blogdenegoveio.blogspot.com.br.
(Fim do artigo.)

Como prometido, continuo aqui hoje. Quando o milico me chamou, pensei que ia ser ouvido pelo temível coronel, que tinha o nome de um santo missionário do Nordeste. Mas fui levado a uma cafua, num pátio central que servia às sedes do então IV Exército e da VII Região Militar (hoje ambas no Curado) e também ao hospital militar (Hospital Geral do Recife – HGR). Hoje todo aquele quarteirão abriga o hospital. Aliás, naquele pátio funcionavam duas cafuas destinadas a recrutas insubmissos. Uma delas foi reservada pros presos políticos, os de repente “subversivos”. Isso sem mandato, claro, e sem direito a saber por que estavam no xilindró. Num espaço onde caberiam mal dez pessoas, havia mais de vinte. Poucos conhecidos. Havia alguns estudantes de engenharia, Não tinha como avisar minha mulher, com quem eu era casado naquela época. Mas, como eu não havia regressado, ela avisou a família
Pr’ocê ver como esses caras faziam questão de proceder tortuosamente. O capitão do IPM da universidade, em vez de mandar me prender (no bojo da baderna instituída pelos golpistas, ele tinha esse “direito”), inventa uma conversa de coronel Ibiapina, quem sabe para fazer terrorismo, pois esse militar era, junto com o famoso coronel Bandeira, o manda-chuva de Pernambuco, ambos agindo de arbitrariedade em arbitrariedade. Felizmente, não sofri tortura física, embora só o fato de tirar o sujeito de casa por nada e trancafiá-lo num cubículo superpovoado já seja uma baita violência. Eu sempre digo que, como não havia prestado serviço militar, pois fui seminarista um tempo e esses eram dispensados, tive a ocasião de prestá-lo mais tarde graças ao golpe de 1964.
Minha sorte é que, depois de alguns casos de maus tratos, nos primeiros meses da Redentora, o então coronel Oldano Pontual, que era médico e diretor do HGR, exigiu que aquela cafua em que caí depois passasse para a jurisdição do hospital. E colocou como carcereiro uma excelente figura que nunca mais vi, e também não esqueci, o tenente Orion, um gaúcho gente fina que nos tratava como gente. Mais adiante, quando colaborava num jornalzinho de Moysés Kertsman (Informe), conheci a moça que fazia a parte de arte, a grande pintora Isa Pontual, que é filha do coronel Oldano.
Mas, gente, vou dar uma paradinha e continuo na outra semana.

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