quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O ESTADO LAICO ESTÁ A PERIGO NA TRANSFORMAÇÃO DE IGREJAS EM PARTIDOS, DE PASTORES EM DEPUTADOS, PREFEITOS ETC.

Apesar de o nosso país ser, desde a República, um Estado laico, a mistura e confusão entre religião e política recrudesceu nos últimos tempos de seitas tipo caça-níquel, que se dizem “evangélicas” mas se afastam do Evangelho de Jesus Cristo). Tinha havido uma lenta melhora desde o fim do padroado, quando as nomeações de bispos passavam pelo imperador. Os protestantes passaram a ter melhor tratamento, quebrando a segregação em que viviam, sobretudo nos rincões de um país forjado naquilo que Camões assim versejava: “A fé e o império andaram dilatando”. E quem assim fez? Ordens religiosas apoiadas por governadores gerais, latifundiários das sesmarias e capitanias hereditárias, todos tão cristãmente prosperando às custas do trabalho de escravos africanos.
A Igreja Romana tentou ainda, durante muito tempo, preservar seus direitos adquiridos, impor uma política que seus líderes consideravam de inspiração cristã, embora apoiassem candidatos que, apesar de distantes de uma orientação realmente cristã, batiam no peito, iam a missas, acompanhavam procissões. Até a redemocratização de 1945, ainda havia uma tal de Liga Eleitoral Católica (LEC), que jogava água benta em candidatos supostamente fiéis ao Evangelho, embora, por exemplo, deixassem suas excelentíssimas esposas na província e frequentassem assiduamente a então famosa Rua Alice (na descida de Santa Tereza para o Cosme Velho), uma espécie de anexo do Congresso Nacional.
Com a modernização e arejamento da Igreja Romana, a criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o aumento da convicção de que o regime do Estado laico é benéfico à Igreja, essas excrescências foram sendo deixadas de lado. Com o aumento da politização e conscientização do eleitorado, logo barradas pelo golpe de 1964, o atento e bondoso Tio Sam passou a incrementar a vinda para cá de vertentes protestantes capazes de conter a conscientização do povo mais simples. Pouco depois, nem foi preciso mais importar “profetas” estadunidenses. Começaram a surgir e prosperar igrejas que se dizem evangélicas e cuja principal crença é o dízimo. Elas abandonaram o tradicional termo “protestante”, que lembra Lutero e seu protesto contra os abusos papais e domínio político na Idade Média, contra a confusão entre política e religião. Criaram a Teologia da Prosperidade, em contraposição à Teologia da Libertação nascida entre os mais pobres da América Latina (e tão malvista pelos papas que antecederam Francisco).
O Tio Sam evidentemente saiu ganhando, pois conseguiu brecar aquela conscientização referida acima, não só com 21 anos de ditadura, mas com o lindo e mavioso Congresso que temos hoje, capaz de destituir uma presidente eleita para por no lugar dela um reles aproveitador e golpista, cujo programa de desgoverno vinha sendo rejeitado pelo eleitorado desde 2002: piorar ainda mais educação e saúde, alienar barato o patrimônio público que Fernando 2º não teve tempo de dilapidar, desmontar a TV pública e sepultar a regulação da mídia (que todo país civilizado faz), voltar enfim à dependência em relação aos países ricos.
Entre muitos dos que se dizem evangélicos, o que se vê hoje é a mais desbragada negação do Evangelho e a volta da simonia, a venda de indulgências, de perdão dos pecados, tudo aquilo que Lutero condenou no papado que saía da Idade Média e esperneava para prosseguir dominando a Igreja e a política dos países que faziam a autoproclamada Europa “cristã”. Nas atuais eleições, abrimos um jornal e vemos que “candidatos ligados ao eleitorado evangélico vêm ganhando casa vez mais destaque no Brasil” (Jornal do Commercio de 9 deste mês). Considera-se que a fragilização e desmoralização dos partidos políticos abriu caminho para o fortalecimento de certas igrejas como se fossem partidos (promovem e financiam seus fiéis), sempre conservadores, quando não à extrema direita. O que ocorre também com muitos candidatos que se proclamam católicos romanos. Há até quem procure, como o professor Edin Sued Abumansur (PUC-SP), ensinar que “a separação entre Igreja e Estado não significa separação entre religião e política”. E onde fica o Estado laico? Na cidade do Rio de Janeiro, outrora o politizado Estado da Guanabara, cassado pelo general-presidente Geisel, está para ser eleito um autonomeado bispo chamado Crivella, cria da igreja fundada por outro autonomeado bispo, Edir Macedo.

O que fazer? Apelar para uma reação desse Congresso que aí está, para que faça cumprir a Constituição no que se refere ao Estado laico? Seria perder tempo. Resta-nos aguardar um governo constitucional, uma Constituinte exclusiva (única maneira de se conseguir uma reforma política, mãe de todas as reformas), uma eleição limpa para um novo Congresso.

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