Apesar de o nosso país ser, desde a
República, um Estado laico, a mistura e confusão entre religião e política
recrudesceu nos últimos tempos de seitas tipo caça-níquel, que se dizem “evangélicas”
mas se afastam do Evangelho de Jesus Cristo). Tinha havido uma lenta melhora
desde o fim do padroado, quando as nomeações de bispos passavam pelo imperador.
Os protestantes passaram a ter melhor tratamento, quebrando a segregação em que
viviam, sobretudo nos rincões de um país forjado naquilo que Camões assim versejava:
“A fé e o império andaram dilatando”. E quem assim fez? Ordens religiosas apoiadas
por governadores gerais, latifundiários das sesmarias e capitanias hereditárias,
todos tão cristãmente prosperando às custas do trabalho de escravos africanos.
A Igreja Romana tentou ainda, durante muito
tempo, preservar seus direitos adquiridos, impor uma política que seus líderes
consideravam de inspiração cristã, embora apoiassem candidatos que, apesar de
distantes de uma orientação realmente cristã, batiam no peito, iam a missas,
acompanhavam procissões. Até a redemocratização de 1945, ainda havia uma tal de
Liga Eleitoral Católica (LEC), que jogava água benta em candidatos supostamente
fiéis ao Evangelho, embora, por exemplo, deixassem suas excelentíssimas esposas
na província e frequentassem assiduamente a então famosa Rua Alice (na descida
de Santa Tereza para o Cosme Velho), uma espécie de anexo do Congresso Nacional.
Com a modernização e arejamento da Igreja
Romana, a criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o
aumento da convicção de que o regime do Estado laico é benéfico à Igreja, essas
excrescências foram sendo deixadas de lado. Com o aumento da politização e
conscientização do eleitorado, logo barradas pelo golpe de 1964, o atento e
bondoso Tio Sam passou a incrementar a vinda para cá de vertentes protestantes capazes
de conter a conscientização do povo mais simples. Pouco depois, nem foi preciso
mais importar “profetas” estadunidenses. Começaram a surgir e prosperar igrejas
que se dizem evangélicas e cuja principal crença é o dízimo. Elas abandonaram o
tradicional termo “protestante”, que lembra Lutero e seu protesto contra os
abusos papais e domínio político na Idade Média, contra a confusão entre
política e religião. Criaram a Teologia da Prosperidade, em contraposição à
Teologia da Libertação nascida entre os mais pobres da América Latina (e tão
malvista pelos papas que antecederam Francisco).
O Tio Sam evidentemente saiu ganhando, pois
conseguiu brecar aquela conscientização referida acima, não só com 21 anos de
ditadura, mas com o lindo e mavioso Congresso que temos hoje, capaz de
destituir uma presidente eleita para por no lugar dela um reles aproveitador e golpista,
cujo programa de desgoverno vinha sendo rejeitado pelo eleitorado desde 2002:
piorar ainda mais educação e saúde, alienar barato o patrimônio público que
Fernando 2º não teve tempo de dilapidar, desmontar a TV pública e sepultar a
regulação da mídia (que todo país civilizado faz), voltar enfim à dependência
em relação aos países ricos.
Entre muitos dos que se dizem evangélicos, o
que se vê hoje é a mais desbragada negação do Evangelho e a volta da simonia, a
venda de indulgências, de perdão dos pecados, tudo aquilo que Lutero condenou
no papado que saía da Idade Média e esperneava para prosseguir dominando a
Igreja e a política dos países que faziam a autoproclamada Europa “cristã”. Nas
atuais eleições, abrimos um jornal e vemos que “candidatos ligados ao
eleitorado evangélico vêm ganhando casa vez mais destaque no Brasil” (Jornal do Commercio de 9 deste mês).
Considera-se que a fragilização e desmoralização dos partidos políticos abriu caminho
para o fortalecimento de certas igrejas como se fossem partidos (promovem e
financiam seus fiéis), sempre conservadores, quando não à extrema direita. O
que ocorre também com muitos candidatos que se proclamam católicos romanos. Há
até quem procure, como o professor Edin Sued Abumansur (PUC-SP), ensinar que “a
separação entre Igreja e Estado não significa separação entre religião e
política”. E onde fica o Estado laico? Na cidade do Rio de Janeiro, outrora o
politizado Estado da Guanabara, cassado pelo general-presidente Geisel, está
para ser eleito um autonomeado bispo chamado Crivella, cria da igreja fundada
por outro autonomeado bispo, Edir Macedo.
O que fazer? Apelar para uma reação desse
Congresso que aí está, para que faça cumprir a Constituição no que se refere ao
Estado laico? Seria perder tempo. Resta-nos aguardar um governo constitucional,
uma Constituinte exclusiva (única maneira de se conseguir uma reforma política,
mãe de todas as reformas), uma eleição limpa para um novo Congresso.
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