Tivemos eleições para prefeitos e vereadores.
Ótimo, ou nem tanto, pois as coisas emperram na politicagem miúda. Pior era no
tempo da ditadura escrachada (o atual golpe é envergonhado) quando era tudo na
ordem unida. Tem aí um tal de Partido Socialista, que melhor se chamaria de
Partido Social-Coronelista. Vejamos um exemplo, a tão falada mobilidade urbana.
Entra governo e sai governo e não se dá a mínima prioridade ao transporte
urbano, seja público ou concedido. Aliás, o público diluiu-se. Acabaram com a
Companhia de Transportes Urbanos (CTU) de Pelópidas da Silveira e pronto. Velharia
o ônibus elétrico, como foi declarado também o bonde. Esse pessoal das
mordomias vive viajando para o exterior, mas não vê nada que preste, como
elétricos e bondes em Paris, Lisboa e outras cidades “atrasadas” da velha
Europa.
Todos proclamam a prioridade do transporte
público, mas dependem de financiamento eleitoral (dribla-se a lei) dos assim
ditos “empresários” do setor privado. O metrô se arrasta, embora tenha sido
muito bom quando inaugurado. Os ônibus são insuficientes, superlotados, mal
dirigidos por motoristas despreparados e a maioria com garantia vencida. Para a
maioria dos políticos, inclusive os social-coronelistas, o povão, o eleitorado
só servem para elegê-los; e isto por ser obrigado a votar, algo que só existe
no Brasil, creio. O voto é um direito, não uma obrigação. Um povo politizado e
que pode contar com bons representantes exerce satisfeito seu direito de votar,
sem precisar de nenhuma coerção. Passada a eleição, os coronéis da política
esquecem todas as promessas de campanha.
Há uns dois domingos, a coleguinha e grande
repórter do JC Roberta Soares produziu matérias sobre outro calo da mobilidade
pública, as calçadas do Recife e adjacências. Não só para cadeirantes,
deficientes visuais, idosos, elas constituem ciladas permanentes. Ela traz o
depoimento de um cadeirante, Eduardo Albuquerque. Ambulante, ele depende dos
outros para ter acesso aonde precisa ir. Frequentemente precisa usar a rua para
se locomover, com o perigo de ser atropelado, pois as calçadas são péssimas ou
ele não tem acesso adequado a elas. Não há fiscalização nem espírito de cidadania.
Aqui não podemos pensar como Che Guevara: Se hace el camino al andar ...
Roberta faz uma lista do que deveriam ser as
calçadas ideais: devem ser largas (mínimo de 1m95), sem interrupções nem
invasões (ao menos 1m20 livre), articuladas com a travessia das ruas; ter
iluminação própria, não só da rua, e não encoberta por galhos de árvores; num
clima como o nosso, arborização para tornar o caminhar mais estimulante, com
árvores enquadradas nos padrões das calçadas; as calçadas precisam de
segurança, acesso fácil a faixas de pedestres. Onde temos calçadas assim no
Recife?
“Todos somos caminhantes, mas esquecemos. A
sociedade menospreza o hábito de andar a pé”, escreve a repórter. Certíssimo. É
caminhando que a gente conhece as cidades e delas se apossa. E aqui dou um testemunho
pessoal. Eu andava muito a pé, quando tinha mais mobilidade, não precisava de
bengala. Foi assim que conheci bem Roma e Lyon, onde estudei, Paris, lugar de
várias passagens. Não dava para conhecer Paris de metrô, pois são poucas as
linhas de superfície, como Trocadéro, Cité Universitaire. Tinha que ser a pé
mesmo. Também tem ônibus e, quando havia greve, vinham caminhões do Exército
fazendo média com a população (“L”Armée vous aide”, o Exército ajuda vocês).
Era o tempo da guerra da Argélia. Em Roma, eu caminhava de colina em colina,
com aquela disposição, descobrindo coisas escondidas, como a estátua em homenagem
à brasileira Anita Garibaldi, a Salita Del Grillo, a Piazzale Brasile, a Isola
Tiberina etc. Mais longe, o Lido di Roma, Ostia Tiberina, onde assassinaram
Pier Paolo Pasolini, que desagradava ao establishment.
Na cultura nouveau riche brasileira, caminhar
é algo inferior, de pobre (“Tenho horror a pobre”, dizia o Justo Veríssimo do
imortal Chico Anísio), sem carro E aí entra o horror nacional de “todo o poder
ao automóvel” (parodiando o “Todo o poder aos sovietes” de Lênin). Nossos
governos decidiram trocar as estradas de ferro por rodovias, para garantir a
expansão da indústria automobilística. Só que pararam os trens e construíram
péssimas rodovias (com raras exceções). Mesmo com a crise, todo dia centenas de
carros entopem, literalmente, as ruas das cidades. Caminhamos para o
engarrafamento final, sobre o qual já escrevi.
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