Quem anda por Havana encontra várias faixas
estendidas pelas praças com os dizeres acima e outros. Mas, não é que o
Comandante Fidel Castro morreu? Morre o homem, fica a fama, como se canta no
samba. Fama e legado. Forte, a ponto de suportar anos de guerrilha, desde o leste
da ilha de Cuba até tomar a capital (os cubanos o chamavam de el Caballo), não
poderia resistir para sempre ao avanço da idade e às doenças. Desde que ele
entrou vitorioso em Havana, em 1959, quando eu acabava de descobrir que não
tinha coragem de assumir o compromisso do celibato e daí haver deixado a vida
clerical, que eu tinha vontade de conhecer a nova Cuba. Só consegui fazê-lo
quase 40 anos depois, em 1998, quando o Jornal
do Commercio me enviou pra lá com a missão de cobrir a visita à ilha do
papa João Paulo 2º.
Gostei muito da oportunidade e me diverti, por
exemplo, com um Fidel ainda forte tratando quase filialmente o papa polonês já
abatido. Tentei conversar com umas garotas de escolas católicas que pregavam
panfletos pela rua. Desconfiadas com aquele estrangeiro que podia estar espionando,
o papo não prosperou. Encontrei depois num bar um seminarista falante e que não
aprovava a Revolução. Falei a ele sobre o livro Fidel y la religión, de Frei Beto. Ele considerava Frei Beto
equivocado. Eu não vi nenhum constrangimento à prática de religiões. Como aqui,
há muito sincretismo. Aliás, Cuba parece demais com Pernambuco, no clima, nas
plantações de cana, na religiosidade, na miscigenação.
À margem do meu trabalho para o jornal, consegui
conhecer um pouco do país. Não vi ninguém pedindo esmola. Também não vi
ostentação de riqueza. A educação pública é algo de sensacional no contexto
latino-americano. Pelas 7 horas, a gente vê uma multidão de crianças indo para
a escola, sozinhas e sem medo de serem atropeladas. O taxi que usei em Havana
era de um cabra (esqueci seu nome) que tinha servido em Angola e falava um
razoável português. Fiquei conhecendo a Habana Vieja, que é uma preciosidade
arquitetônica, com a Catedral, o Palacio de los Capitanes Generales, o forte La
Cabaña, com o escritório de Che Guevara do jeito que ele o usava antes de
partir para a África e a Bolívia. Passei pelo Hotel Ambos Mundos, onde Ernest
Hemingway morou muito tempo (ele adorava Cuba, mesmo após a Revolução; e foi lá
que escreveu O velho e o mar). Tomei
mojito e daiquiri nos famosos bares por ele frequentados, o La Bodeguita del Medio
e o La Floridita. Dizia ele, para fazer média com os dois, que o melhor mojito
era o do La Bodeguita e o melhor daiquiri era o do La Floridita.
Fui recebido no aeroporto de Havana pelo
casal Maria Helena e Luis, ele diplomata (já serviu em Brasília) e ela funcionária
do Ministerio del Trabajo. Fui recomendado a eles por minha amiga Fernanda Rego,
que os conheceu aqui e já havia visitado Havana. Entrevistei o brasileiro Hélio
Dutra, comunista que morava em Cuba representando uma indústria farmacêutica e,
com a vitória dos guerrilheiros de Sierra Maestra, resolveu ficar por lá mesmo.
Essa entrevista foi publicada no jornal Granma,
do PC cubano. Ora, dirão alguns, imprensa oficial; cadê a liberdade de
expressão? De fato, não vi lá jornais de oposição. Mas, e no Brasil? Com
raríssimas exceções, todos os jornalões e outros meios de comunicação falando a
mesma linguagem, sonegando ou distorcendo informações, formando um autêntico
partido político contra qualquer tendência esquerdista ou de simplesmente
melhorar um pouquinho a sorte do povão. E, quando se fala em regulação da
mídia, como há nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França etc., vem logo a
gritaria: é censura, é contra a liberdade de expressão. Uma rede de TV com o
poder da Rede Globo é uma imoralidade só possível aqui. A cobertura da morte de
Fidel está sendo grande e também se tem falado muito sobre a Revolução e seu
desempenho em quase 60 anos. Ditadura? Golpe? Sem dúvida, foi uma autêntica Revolução,
fruto de uma guerrilha que se opunha a um ditador que tinha o apoio e a ajuda militar
dos EUA, o grande semeador de golpes pelo mundo a fora. Democracia liberal
seria coisa de branco pra eles.
Já escrevi muito. Fidel morreu, mas seu
legado continua. O bom legado. Ele adotou um comunismo à moda soviética, que era
mais estatismo que socialismo, quando sabemos que a sociedade é que manda no
socialismo. E quando falo em socialismo, nada a ver com o social-coronelismo à
brasileira. Che Guevara queria um novo comunismo à cubana, mas foi voto
vencido. Hoje vemos, mesmo quando Fidel ainda era o presidente, muitas reformas
que podem levar Cuba para um regime mais aberto.
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