sábado, 5 de novembro de 2016

PAULISTA É GENTE BOA, MAS É DE LASCAR O CANO. EU NASCI NO PAJEÚ, MAS SÓ ME CHAMAM DE BAIANO

Gente amiga, não pude postar esta matéria no início da semana, por motivo de saúde. No início da próxima semana, volto a minha atual rotina de uma postagem por semana. Voltarei a fazer mais postagens quando conseguir um entendimento com o Google sobre a sustentabilidade financeira deste blog. Agora, ao assunto de hoje.
“Non ducor, duco” (Não sou conduzido, eu lidero). Este lema da bandeira do Estado de São Paulo exprime bem a situação de liderança que o paulista se atribui. Muitos paulistas e paulistanos menos conscientizados, ou mais provincianos, acreditam que tudo o que ocorre ali tem características de vanguarda e repercute necessariamente no resto do país. Embora às vezes contrariando a realidade. Eu pessoalmente gosto muito de São Paulo, de onde nunca deveria ter saído depois que ali me refugiei dos desmandos da ditadura de 1964-85. Saí por razões, digamos, familiares. Aquela ao menos era uma ditadura desbragada e não um golpe parlamentar meio envergonhado, como hoje. Ali ganhei meu primeiro emprego decente após ter sido demitido da UFPE, então Universidade do Recife. Na Folha de S. Paulo. Era um tempo de muito emprego para jornalistas, inclusive os migrantes que vinham do Sul, do Nordeste, fugindo da Santa Inquisição civil-militar sob a égide do bondoso Tio Sam. A Editora Abril, que ainda não optara por um golpismo desenfreado, praticamente todo ano lançava uma nova revista. Tinha inclusive a excelente Realidade. Havia outras editoras, jornais, revistas.
Ainda sobre São Paulo cantava Luiz Gonzaga: “Paulista é gente boa, mas é de lascar o cano. Eu nasci no Pajeú, mas só me chamam de baiano”. Resolvi escrever sobre esse tema ao ler há alguns dias, no Jornal do Commercio, uma reportagem sobre o Manifesto Regionalista de Gilberto Freyre, de 1926. Logo me veio à lembrança a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, que muitos paulistas consideram a pedra fundamental do modernismo no país, da liberação do jugo de fórmulas arcaicas de literatura e arte em geral. De fato ela teve importância e a participação de expoentes da arte contemporânea brasileira. No entanto, a influência decisiva dela no resto do país é uma convicção muito paulista. Como a da responsabilidade de São Paulo na independência do nosso país, apesar de Pedro 1º estar apenas de passagem pela cidade a fim de se encontrar com sua amada marquesa em Santos. Deu o famoso grito, já combinado com o pai Dom João 6º em proveito dos portugueses que haviam fugido para o Brasil com medo de Napoleão. De grito em grito é que fazemos nossa tortuosa história, que tem retrocessos fatídicos, como o que está ocorrendo em nossos dias.
Apesar de ser um país de dimensões continentais, culturalmente tudo no Brasil se restringe ao triângulo Rio-São Paulo-Belo Horizonte, inclusive no campo da TV, quase monopolizado pela Rede Globo. Em 1960, Pessoa de Queiroz quis quebrar essa supercentralização ao investir com capricho na montagem da TV Jornal, que produzia inclusive boas matérias jornalísticas e teleteatro. Hoje, nesse ponto, somos todos cariocas e paulistas. Voltando à Semana de Arte Moderna, somente aqueles paulistas mais provincianos acreditam na influência dela sobre a vasta produção literária de gente de primeira grandeza como José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, entre tantos outros no país inteiro. Ou em sua influência sobre o refugiado lituano Lasar Segall, no campo da pintura não acadêmica.

Quando Gilberto Freyre chama seu manifesto de regionalista é porque sabe que, neste país, fora daquele triângulo sudestino, tudo é regional ou até provinciano. Daí o grande literato que foi ele, muito mais que sociólogo ou antropólogo, ter adotado o termo “regionalista”.

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