Gente amiga, não pude postar esta matéria no
início da semana, por motivo de saúde. No início da próxima semana, volto a
minha atual rotina de uma postagem por semana. Voltarei a fazer mais postagens
quando conseguir um entendimento com o Google sobre a sustentabilidade
financeira deste blog. Agora, ao assunto de hoje.
“Non ducor, duco” (Não sou conduzido, eu
lidero). Este lema da bandeira do Estado de São Paulo exprime bem a situação de
liderança que o paulista se atribui. Muitos paulistas e paulistanos menos
conscientizados, ou mais provincianos, acreditam que tudo o que ocorre ali tem
características de vanguarda e repercute necessariamente no resto do país.
Embora às vezes contrariando a realidade. Eu pessoalmente gosto muito de São
Paulo, de onde nunca deveria ter saído depois que ali me refugiei dos desmandos
da ditadura de 1964-85. Saí por razões, digamos, familiares. Aquela ao menos
era uma ditadura desbragada e não um golpe parlamentar meio envergonhado, como
hoje. Ali ganhei meu primeiro emprego decente após ter sido demitido da UFPE,
então Universidade do Recife. Na Folha de
S. Paulo. Era um tempo de muito emprego para jornalistas, inclusive os
migrantes que vinham do Sul, do Nordeste, fugindo da Santa Inquisição
civil-militar sob a égide do bondoso Tio Sam. A Editora Abril, que ainda não
optara por um golpismo desenfreado, praticamente todo ano lançava uma nova
revista. Tinha inclusive a excelente Realidade.
Havia outras editoras, jornais, revistas.
Ainda sobre São Paulo cantava Luiz Gonzaga: “Paulista
é gente boa, mas é de lascar o cano. Eu nasci no Pajeú, mas só me chamam de
baiano”. Resolvi escrever sobre esse tema ao ler há alguns dias, no Jornal do Commercio, uma reportagem
sobre o Manifesto Regionalista de Gilberto Freyre, de 1926. Logo me veio à
lembrança a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, que muitos paulistas
consideram a pedra fundamental do modernismo no país, da liberação do jugo de
fórmulas arcaicas de literatura e arte em geral. De fato ela teve importância e
a participação de expoentes da arte contemporânea brasileira. No entanto, a influência
decisiva dela no resto do país é uma convicção muito paulista. Como a da
responsabilidade de São Paulo na independência do nosso país, apesar de Pedro
1º estar apenas de passagem pela cidade a fim de se encontrar com sua amada marquesa
em Santos. Deu o famoso grito, já combinado com o pai Dom João 6º em proveito
dos portugueses que haviam fugido para o Brasil com medo de Napoleão. De grito
em grito é que fazemos nossa tortuosa história, que tem retrocessos fatídicos,
como o que está ocorrendo em nossos dias.
Apesar de ser um país de dimensões
continentais, culturalmente tudo no Brasil se restringe ao triângulo Rio-São Paulo-Belo
Horizonte, inclusive no campo da TV, quase monopolizado pela Rede Globo. Em
1960, Pessoa de Queiroz quis quebrar essa supercentralização ao investir com
capricho na montagem da TV Jornal, que produzia inclusive boas matérias jornalísticas
e teleteatro. Hoje, nesse ponto, somos todos cariocas e paulistas. Voltando à
Semana de Arte Moderna, somente aqueles paulistas mais provincianos acreditam
na influência dela sobre a vasta produção literária de gente de primeira
grandeza como José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Gilberto Freyre, Câmara
Cascudo, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, entre tantos outros no país inteiro.
Ou em sua influência sobre o refugiado lituano Lasar Segall, no campo da
pintura não acadêmica.
Quando Gilberto Freyre chama seu manifesto de
regionalista é porque sabe que, neste país, fora daquele triângulo sudestino, tudo
é regional ou até provinciano. Daí o grande literato que foi ele, muito mais
que sociólogo ou antropólogo, ter adotado o termo “regionalista”.
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