terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A VIDA SEVERINA DO PASSAGEIRO DE TRANSPORTE PÚBLICO

Começo de ano, tudo aumentando, menos o salário da maioria, repete-se o tão manjado reajuste das tarifas de transporte público. As tarifas são quase automaticamente reajustadas, se se excetuam algumas encenações de objetividade e isenção. A qualidade do serviço, porém, vai sempre de mal a pior. Um serviço que teria de ser prestado diretamente pelo poder público, que é o responsável pela expulsão dos trabalhadores para longínquas periferias, é concedido a autoproclamados empresários, que visam a nada mais que o lucro. São ônibus sucateados, motoristas e cobradores despreparados, longuíssimos intervalos entre um e outro. Uma beleza. Em Aldeia, onde me escondo, a concessionária (parece que Metropolitana) põe ônibus de hora em hora entre Chã de Cruz e o terminal de Camaragibe. Se um quebrar, algo corriqueiro, o usuário tem de aguardar mais uma hora. E a maioria da população da região não possui carro particular para congestionar ainda mais os acessos ao Recife.
O metrô, uma grande esperança quando foi implantado, parou no tempo. Está sucateado e sem reposição. Novas linhas? Nem pensar; a crise justifica tudo. Os vagões são invadidos por vendedores e ladrões. Não se mantém nem repara o sistema. Lembro que, quando cheguei à Europa para estudar, em 1952, a 2ª Guerra Mundial tinha acabado havia só sete anos e os serviços públicos funcionavam melhor que no Brasil: trens (cadê os que tínhamos?), ônibus, bondes (aqui acabaram). E com tarifas bem razoáveis. Aqui, a tradicional privatização do dinheiro público, a incompetência generalizada, o fazer política como meio de vida só podem produzir o descalabro em que vivemos. Os responsáveis por tanta esculhambação vão morar em Miami (é só o que lhes interessa nos Estados Unidos; Nova York, a Nova Inglaterra, isso nem passa por cabeças tão ocas) ou por lá passam longas temporadas. Aparecem por cá de vez em quando para arrecadar suas rendas e transferi-las para paraísos fiscais.
Uma empresa paulista comprou a velha CTU por “dois tõe” (como falam os matutos), comprometendo-se a restaurar as redes aéreas e manter os ônibus elétricos. Cadê? Lembrando. Quando o grande prefeito que foi Pelópidas da Silveira implantou a CTU, no final dos anos 1950, os concessionários de linhas de ônibus estrebucharam e ciscaram um bocado. Fernando Coelho, que assessorava juridicamente o prefeito, conta a história. Aquele tipo de transporte desafogou muito o trânsito naquela época. Os que eram contra reclamavam de ônibus às vezes parados por falta de energia. Mas isso não era culpa da CTU. A Celpe, antes e depois de ser abiscoitada por gringos, não tem compromisso com a população e sim com seus acionistas.
Como lembro aqui frequentemente, os concessionários de linhas (sempre os mesmos; de vez em quando se finge uma licitação) são grandes contribuintes para campanhas políticas. Agora que pessoas jurídicas não podem mais dar dinheiro para essas campanhas, não sei como vai ficar. Quem sabe haja alguma melhora. Mas sempre se poderá dar um jeito malandro. Nossos políticos só vão melhorar de qualidade quando, e se, tivermos um dia uma Constituinte séria, exclusiva, composta por personalidades sem compromisso com a política profissional.

Pessoas, muitas, que se julgam bafejadas por Deus por terem carro particular (muitos pintam: presente de Deus ...) nem se lembram que mais de dois milhões utilizam o transporte público metropolitano. E são justamente aqueles cidadãos (tão privados de cidadania) para os quais alguns centavos a mais na catraca significam menos comida em casa, menos conforto, mais “vida severina”. Mesmo com tanto sacrifício, o usuário de transporte público rodoviário tem de esperar ônibus na chuva e no sol, viajar no aperto, chegar atrasado ao trabalho. Na Conde da Boa Vista, nos conta Felipe Vieira em reportagem no Jornal do Commercio, estações inacabadas do BRT (cadê a verba para terminar?) viraram dormitório para moradores de rua. O pessoal está andando a pé, quando a distância dá. O número de passageiros transportados vai caindo. E o poder público ainda subsidia um sistema tão ruim. Por que não operá-lo diretamente, melhorá-lo, como ocorre em países mais civilizados?

Nenhum comentário: