terça-feira, 1 de março de 2016

EM UM MUNDO TÃO PEQUENO, POR QUE FRONTEIRAS FECHADAS A MIGRANTES POBRES, MUROS, XENOFOBIA?

Hoje vou escrever pouco porque temos um longo artigo do economista Carlos Emanuel, que traz luzes sobre esse tal de rating, ou cotação de investimentos.
Lembro que o papa Francisco continua fazendo apelos quase diários para que os governos dos países europeus mais ricos se lembrem de todo o mal que causaram aos povos que colonizaram no passado e continuam a explorar através do neocolonialismo. E, em consequência desse exame de consciência, recebam iraquianos, sírios e outros imigrantes que buscam uma vida em paz e com trabalho na Alemanha, Grã-Bretanha, França etc. Apelos que se estendem aos países mais pobres do leste europeu para que abram suas fronteiras à passagem desses imigrantes. Este nosso mundo é tão pequeno. Por que tanto muro? Só era ruim o famoso Muro de Berlim?
Lembro também que aqui em Pindorama continuamos na mesma: o Executivo não funciona, cercado por golpistas e pela sua própria incompetência; o Supremo legisla; e o Congresso faz negócios do interesse da maioria de nossos “representantes”.

O Rebaixamento do Brasil e a Dança da Garrafa
As últimas duas quartas-feiras após a Quarta de Cinzas foram marcantes para a percepção do Brasil no mercado internacional. Na quarta, 17/02, a agência de classificação de risco de crédito Standard & Poors (S&P) rebaixou a nota de crédito (rating) do Brasil de BB+ para BB. Já na quarta seguinte, 24/02, a Moody’s rebaixou o rating do Brasil em dois níveis de uma só vez: de Baa3 para Ba2. Com o rebaixamento realizado pela Moody’s nesta última quarta, as 3 grandes agências de rating internacionais (a Fitch é a terceira) classificam agora o Brasil abaixo do chamado grau de investimento, aquele em que a probabilidade de calote é menor, e carimbam as emissões internacionais do governo brasileiro como de grau especulativo. A Fitch tinha já realizado em 16/12 uma revisão de sua nota de BBB- para BB+.    
Antes de entrarmos no mérito dos rebaixamentos, é importante entender minimamente a sopa de letras das classificações de crédito destas agências. Elas usam critérios equivalentes para classificar os emissores de títulos, e cada nota aponta o nível de risco associado ao repagamento de dívidas por estes emissores, baseado em um conjunto de métricas relacionadas à situação financeira dos mesmos. Nos casos da S&P e da Fitch, a escala começa com AAA+ (menor risco de crédito possível), e segue com AAA, AAA-, AA+, AA, AA-, BBB+, BBB, e BBB-, este último sendo o limite inferior da classificação de grau de investimento. No grau especulativo, segue-se BB+, BB, BB-, B+, etc. No caso da Moody’s, o conjunto de letras é um pouco diferente, mas a classificação é equivalente. No grau de investimento estão Aaa1, Aaa2, Aaa3, Aa1, Aa2, Aa3, Baa1, Baa2, e Baa3. O grau especulativo, por outro lado, começa com Ba1 e segue com Ba2, Ba3, B1, B2, etc. Ou seja, os números 1, 2 e 3 substituem o ‘+’, o ‘flat’ (intermediário), e o ‘-‘ das classificações da S&P e da Fitch. As classificações da S&P e da Moody’s para o Brasil, portanto, são equivalentes, a primeira com a nota BB e a segunda com a nota Ba2, enquanto a Fitch apresenta nota um nível acima, BB+.
Qual a importância de se ter uma classificação de risco por uma destas agências? As agências de rating cumprem um papel de relevância nos mercados de títulos de dívida ao indicarem para o comprador do título o nível de risco que ele estará se impondo ao comprar um determinado papel. Os órgãos reguladores de valores mobiliários (os equivalentes à CVM brasileira) nos Estados Unidos e Europa, principalmente, requerem que uma emissão de título de dívida distribuído nestes mercados tenha classificação de risco por, pelo menos, duas agências de rating. Além disto, os reguladores dos fundos de pensão, das companhias seguradoras, e de algumas classes de fundos de investimento, que são os grandes compradores de títulos a nível mundial, impõem também a necessidade de ratings de uma ou duas destas 3 agências, e de um rating mínimo estabelecido para um determinado título para que possam comprá-lo. Desta forma, quando o governo brasileiro ou qualquer companhia emite um título no mercado internacional, precisa da classificação por parte destas agências, ou nenhum investidor comprará o referido título.
Qual a consequência para o Brasil de ter o seu rating rebaixado? Essencialmente, a principal consequência é ter de pagar uma taxa de juros maior para captar dívida. Quanto menor a nota de crédito, maior o risco de inadimplência associado ao título e maior o prêmio de risco exigido pelos investidores para comprar papéis de dívida de um emissor (um país ou uma companhia). Há um indicador que mostra claramente esta associação entre taxa de juros e risco, e que revela que o mercado já precificava a deterioração do risco Brasil e o consequente rebaixamento de sua nota pelas agências de rating. Trata-se do EMBI+ (Emerging Markets Bond Index), calculado pelo banco J.P.Morgan para vários países. O número de pontos do índice mostra a diferença entre a taxa de retorno dos títulos do país e aquela oferecida por títulos do Tesouro americano (considerado como referência de baixo risco), ou seja, mostra o prêmio de risco pago pelos títulos de um determinado país. No caso do Brasil, o EMBI+ deteriorou-se rapidamente entre Junho/2014, quando estava em 208 pontos, e a última sexta, 26/02, quando atingiu 506 pontos. Ou seja, em um espaço de apenas 20 meses, o prêmio de risco do Brasil subiu quase duas vezes e meia, com o país pagando em média mais de 5 pontos percentuais acima dos títulos do Tesouro americano.
Por mais que muitos de nós tenhamos reservas com relação ao papel das agências de rating, particularmente o fato de as 3 principais representarem um oligopólio a nível mundial, e de terem tido um papel importante na débâcle do sistema financeiro internacional na crise de 2007/2008 ao classificarem como AAA boa parte dos veículos financeiros que carregavam créditos imobiliários e outros recebíveis de alto risco, os quais colapsaram e causaram a quebra de vários bancos, não há como negar que a situação do Brasil é muito grave. O rebaixamento é justificado pela rápida deterioração de seus indicadores macroeconômicos e pelo alto grau de incerteza causado pelo contexto político do país. Com uma inflação acima de 10% ao ano, com a economia em uma recessão desastrosa, com um déficit nominal do setor público (incluindo o pagamento de juros) acima de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), com uma dívida pública equivalente a mais de 65% do PIB, e com os pagamentos de juros representando mais de 20% da receita do governo, além da ausência de vontade política para resolver estes graves problemas por parte das nossas lideranças, não se pode esperar ação diferente por parte das agências de rating e dos investidores internacionais.
Impõe-se concluir, portanto, que os erros cometidos nestes últimos anos, tanto do ponto de vista político, quanto de políticas macroeconômicas, nos levaram fatalmente à situação difícil em que nos encontramos e aos consequentes rebaixamentos da nota de crédito do país pelas 3 grandes agências de rating. O que me faz lembrar da famosa ‘dança da garrafa’, que fez um sucesso estrondoso no final dos anos 90 com a banda É o Tchan, na qual a dançarina ou dançarino se abaixavam lentamente enquanto dançavam com a região pélvica se aproximando da boca de uma garrafa colocada no chão. Como na dança, o rebaixamento parece ser consciente e voluntário.
Carlos Emanuel


Nenhum comentário: