terça-feira, 3 de maio de 2016

CONTINUA A CRISE INTERMINÁVEL. JÁ HOUVE OUTRAS

Continuamos nesta crise interminável de desestabilização e impossibilidade de governar. Não se sabe ainda qual vai ser a saída por encontrar. Transcrevo artigo do economista Carlos Emanuel, que trata de crises anteriores, nos primórdios da consolidação do golpe republicano e na crise do impedimento de Fernando Collor. O ideal seria que a gente se acostumasse afinal a ter eleições periódicas, com resultados respeitados e uma desejável alternância de poder, desde que governo e oposição tenham plataformas de acordo com os interesses do país, sem querer voltar a submeter-se à hegemonia estadunidense.
Segue o artigo de Carlos Emanuel:

As Crises de 1891 e 1991 no Brasil 

Nestes tempos de grave crise política e econômica no Brasil, as recentes maravilhas do mundo digital, como os acervos dos principais jornais do país disponíveis na internet, nos permitem navegar pelo passado em busca de momentos vividos pela sociedade que possam guardar alguma semelhança, ainda que mínima, com o que estamos vivendo hoje, ressalvados, obviamente, os contextos e a distância no tempo. Foi neste espírito que busquei dois exemplares no acervo digital do Estadão: um de 24 de Novembro de 1891 (uma terça-feira) e o outro de 28 de Abril de 1991 (um domingo).
No primeiro exemplar, a primeira tira da página frontal do jornal à esquerda estampava um editorial intitulado “O fim da dictadura”, no qual lia-se, em seu primeiro parágrafo: “Viva a Republica! Viva a legalidade! Eram estes os gritos que hontem soltavam as mil boccas populares, ao espalhar-se a noticia de que o marechal Deodoro da Fonseca, coagido pela attitude dignissima e patriotica do marechal Floriano Peixoto, vice-presidente da Republica, resignara o cargo a que o elevara o Congresso Federal, que elle dissolveu por meio de um golpe de Estado sem precedente na Historia”. Referia-se o editorial à renúncia de Deodoro da Fonseca ao cargo de Presidente, ocorrida no dia anterior, sob a mira de canhões dos navios da marinha estacionados na baía de Guanabara. Vinte dias antes, em 3 de Novembro, Deodoro tinha fechado o Congresso e decretara Estado de Sítio, anunciando uma reforma constitucional que ampliaria os poderes do Presidente, o que gerou forte reação de vários setores. Dois anos antes, em Novembro de 1889, tinha liderado o levante militar que derrubou a monarquia e proclamou a república.
O ano de 1891 teve de tudo, desde uma nova Constituição, promulgada em 24 de Fevereiro, passando pelas eleições indiretas do Presidente (Deodoro da Fonseca, com pequena margem sobre Prudente de Morais) e do Vice (Floriano Peixoto, com 65% dos votos) pelo Congresso Constituinte, pela troca do Ministro da Fazenda Rui Barbosa pelo Barão de Lucena no segundo semestre, em razão de uma grave crise econômica, e pelos eventos relatados acima, completando um enredo novelesco que chegaria a ser cômico, se não fosse tão trágico. O país sofreu uma de suas piores crises econômicas naquele ano, com quebra generalizada de bancos e empresas, e uma inflação que chegou a quase 90%. Resultado de uma política monetária expansionista, iniciada ainda nos últimos anos do Império, sob o Visconde de Ouro Preto, e fortemente impulsionada por Rui Barbosa, apelidada na época de Encilhamento (referência à jogatina desenfreada nas corridas de cavalos), a crise levou ao crash a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, arruinando milhares de pequenos investidores e mesmo alguns fazendeiros e empresários. O Vice Floriano Peixoto governou com mãos de ferro nos 2 anos e meio seguintes, chocando-se com as forças econômicas dominantes na época e com setores militares, particularmente a Marinha, que liderou a segunda Revolta da Armada em 1893. Em 1894 ocorreu a primeira eleição direta para Presidente no Brasil, em que se elegeu Prudente de Morais com 88% dos votos, uma eleição em que o número fantástico de 203 candidatos se inscreveu, e em que o número miserável de 356 mil eleitores (2% da população na época) votou.
O outro exemplar do Estadão a que me referi no início deste artigo foi o de 28 de Abril de 1991, 25 anos atrás, e 100 anos depois dos eventos relatados acima. A primeira página deste exemplar estampava uma notícia intitulada “Economia Brasileira Chega ao Fundo do Poço”, na qual lia-se, em seu primeiro parágrafo: “O número de desempregados passou de 1 milhão na Grande São Paulo, o salário médio perdeu um terço de seu valor real, de Fevereiro de 1990 a Fevereiro de 1991, e a produção industrial caiu 12% no mesmo período”. Um desastre de proporções pantagruélicas, com a inflação já atingindo 55,77% no acumulado dos 3 primeiros meses de 1991. Resultado de uma contração monetária sem precedentes, onde 80% do volume de moeda na economia foi retirado de circulação (parte dele efetivamente confiscado), principal medida do chamado Plano Brasil Novo (mais conhecido como Plano Collor I), estabelecido no início de 1990, e de uma péssima administração do processo de remonetização da economia, a crise brutal que abateu o país naquele ano levou a uma oposição cada vez mais forte ao governo, e às investigações que culminaram no processo de impeachment de Fernando Collor. Com sua renúncia no final de Setembro de 1992, assumiu o seu Vice, Itamar Franco, que governou por pouco mais de 2 anos, apoiado por uma coalizão de forças políticas.     
Foram, portanto, duas datas em que a sociedade enfrentava crises política e econômica extremamente graves, resultado de políticas econômicas equivocadas e mal administradas, como enfrentamos hoje. Não tenho qualquer intenção de comparar, obviamente, as quedas de Presidentes ocorridas nos contextos acima com a eventual substituição do governo atual. O contexto político não é comparável. Nos primeiros anos da República, no final do século XIX, enfrentamos regimes ditatoriais. Em 1991, tínhamos apenas 6 anos de democracia restabelecida após 21 anos de regime militar, e as instituições estavam apenas iniciando um processo de reconstrução, desenhado a partir da Constituição de 1988. A única coisa que podemos comparar é a tragédia humana e o drama pessoal de milhões de cidadãos, causado por crises econômicas devastadoras como a que enfrentamos hoje, e como as que ocorreram em 1891 e 1991.
Carlos Emanuel


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