Neste tempo de comemorações a propósito dos
200 anos da Revolução Republicana de 1817, na qual os pernambucanos
comprovaram, mais uma vez, seu pioneirismo e vanguardismo políticos,
confirmando que “a República é filha de Olinda”, não pretendo relembrar a toda
a história. Ela vem sendo competentemente revivida por vários mestres, como
Socorro Ferraz, que conheci na política estudantil. Desejo apenas fazer algumas
observações sobre o que é apresentado como a história oficial do Brasil, desde
que o federalismo republicano pelo qual tantos conterrâneos nossos lutaram e
morreram, foi substituído pela hegemonia Rio-São Paulo-Minas e pela
consolidação de uma República quase tão imperial quanto a monarquia.
Pela história oficial, apesar de todo o nosso
pioneirismo e glórias revolucionárias, nada aconteceu de importante e decisivo
no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O Sul é tolerado como um quintal do Sudeste.
Esse espírito antifederativo tomou conta da nossa cultura. Rádios, TVs, jornais
regionais geralmente gravitam em torno do Sol sudestino. Recebemos programas
prontos do Rio, de São Paulo, e até a previsão do tempo passa rasteiramente
pelo Nordeste.
O pior é que, nas escolas, nossas crianças e
adolescentes aprendem pela cartilha sudestina, com raras exceções constituídas
por mestres que revisitam e reescrevem a história oficial (ad usum Delphini ou
para uso do Delfim, como dizem os franceses; notando que esse Delfim aí não é o
Delfim Netto, é o herdeiro do trono francês). Assim, eles ficam convencidos de
que Tiradentes é “o” mártir da Independência, apesar de ele não ter feito
nenhuma revolução, apenas participado de uma trama. Ao dizer isto, não estou
diminuindo em nada o heroísmo dos assim ditos inconfidentes. O certo é que Domingos
José Martins, José de Barros Lima (Leão Coroado), José Luiz de Mendonça, Frei
Caneca, Padre Roma, Abreu e Lima, Vigário Tenório, Cruz Cabugá, Frei Miguelinho,
Padre João Ribeiro e tantos outros são solenemente ignorados pela história
oficial.
Algo interessante é que a Revolução cujo
bicentenário comemoramos também é conhecida como a Revolução dos Padres. A
participação de clérigos foi fundamental para a articulação do movimento. Em
1800 tinha sido criado o Seminário de Olinda, a primeira escola superior da
colônia, numa época em que não havia separação entre Igreja e Estado. Seus
estudantes, fossem clérigos ou leigos, recebiam uma formação baseada no
iluminismo do século 18. Muitos padres eram adeptos da maçonaria. Posteriormente,
já no Império, a Igreja chegou a brigar com a maçonaria, que agrupava quase
todos os políticos, inclusive o imperador, gerando os casos de perseguição a
Dom Vital e Dom Macedo Costa.
Como imperial castigo pela rebeldia
pernambucana, principalmente em 1817 e 1824, é que a província perdeu cerca da
metade de seu espaçoso território. Pedro 1º detestava a província rebelde e
tirou-lhe o atual Estado de Alagoas e também a Comarca do São Francisco, que
espichava Pernambuco até Minas e Goiás. Infelizmente, depois de uma última
fulguração na Revolução Praieira (1848), os governantes pernambucanos foram
amansando e, mesmo com o fim da monarquia, nunca reivindicaram os territórios
perdidos para a prepotência. Talvez fosse difícil extinguir Alagoas, que logo
constituiu uma nova província, mas certamente caberia a essa gente, que no
geral trocou o vanguardismo por uma politicagem rasteira, reivindicar a Comarca
do São Francisco, anexada à Bahia.
Houve uma cerimônia macabra durante a ditadura,
que trouxe os ossos de Pedro 1º para o Brasil e ainda deu um passeio com eles,
inclusive por Pernambuco. Na ocasião, Barbosa Lima Sobrinho, um ex-governador
nosso, que morava no Rio e escrevia para o Jornal do Brasil, esbravejou dizendo
que o nosso Estado, mutilado por aquele monarca, jamais deveria ter recebido e
homenageado a ossada do déspota.
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