sábado, 11 de março de 2017

REBELDE, REPUBLICANO, FEDERATIVO, PERNAMBUCO PERDEU MAIS DA METADE DE SEU EXTENSO TERRITÓRIO

Neste tempo de comemorações a propósito dos 200 anos da Revolução Republicana de 1817, na qual os pernambucanos comprovaram, mais uma vez, seu pioneirismo e vanguardismo políticos, confirmando que “a República é filha de Olinda”, não pretendo relembrar a toda a história. Ela vem sendo competentemente revivida por vários mestres, como Socorro Ferraz, que conheci na política estudantil. Desejo apenas fazer algumas observações sobre o que é apresentado como a história oficial do Brasil, desde que o federalismo republicano pelo qual tantos conterrâneos nossos lutaram e morreram, foi substituído pela hegemonia Rio-São Paulo-Minas e pela consolidação de uma República quase tão imperial quanto a monarquia.
Pela história oficial, apesar de todo o nosso pioneirismo e glórias revolucionárias, nada aconteceu de importante e decisivo no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O Sul é tolerado como um quintal do Sudeste. Esse espírito antifederativo tomou conta da nossa cultura. Rádios, TVs, jornais regionais geralmente gravitam em torno do Sol sudestino. Recebemos programas prontos do Rio, de São Paulo, e até a previsão do tempo passa rasteiramente pelo Nordeste.
O pior é que, nas escolas, nossas crianças e adolescentes aprendem pela cartilha sudestina, com raras exceções constituídas por mestres que revisitam e reescrevem a história oficial (ad usum Delphini ou para uso do Delfim, como dizem os franceses; notando que esse Delfim aí não é o Delfim Netto, é o herdeiro do trono francês). Assim, eles ficam convencidos de que Tiradentes é “o” mártir da Independência, apesar de ele não ter feito nenhuma revolução, apenas participado de uma trama. Ao dizer isto, não estou diminuindo em nada o heroísmo dos assim ditos inconfidentes. O certo é que Domingos José Martins, José de Barros Lima (Leão Coroado), José Luiz de Mendonça, Frei Caneca, Padre Roma, Abreu e Lima, Vigário Tenório, Cruz Cabugá, Frei Miguelinho, Padre João Ribeiro e tantos outros são solenemente ignorados pela história oficial.
Algo interessante é que a Revolução cujo bicentenário comemoramos também é conhecida como a Revolução dos Padres. A participação de clérigos foi fundamental para a articulação do movimento. Em 1800 tinha sido criado o Seminário de Olinda, a primeira escola superior da colônia, numa época em que não havia separação entre Igreja e Estado. Seus estudantes, fossem clérigos ou leigos, recebiam uma formação baseada no iluminismo do século 18. Muitos padres eram adeptos da maçonaria. Posteriormente, já no Império, a Igreja chegou a brigar com a maçonaria, que agrupava quase todos os políticos, inclusive o imperador, gerando os casos de perseguição a Dom Vital e Dom Macedo Costa.
Como imperial castigo pela rebeldia pernambucana, principalmente em 1817 e 1824, é que a província perdeu cerca da metade de seu espaçoso território. Pedro 1º detestava a província rebelde e tirou-lhe o atual Estado de Alagoas e também a Comarca do São Francisco, que espichava Pernambuco até Minas e Goiás. Infelizmente, depois de uma última fulguração na Revolução Praieira (1848), os governantes pernambucanos foram amansando e, mesmo com o fim da monarquia, nunca reivindicaram os territórios perdidos para a prepotência. Talvez fosse difícil extinguir Alagoas, que logo constituiu uma nova província, mas certamente caberia a essa gente, que no geral trocou o vanguardismo por uma politicagem rasteira, reivindicar a Comarca do São Francisco, anexada à Bahia.

Houve uma cerimônia macabra durante a ditadura, que trouxe os ossos de Pedro 1º para o Brasil e ainda deu um passeio com eles, inclusive por Pernambuco. Na ocasião, Barbosa Lima Sobrinho, um ex-governador nosso, que morava no Rio e escrevia para o Jornal do Brasil, esbravejou dizendo que o nosso Estado, mutilado por aquele monarca, jamais deveria ter recebido e homenageado a ossada do déspota.

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