Os pobres magistrados inativos estão querendo
auxílio moradia. Senão, vão morar debaixo da ponte. E os ativos? Precisam? E por
que nós, pobres mortais que arcamos com os penduricalhos de altos executivos,
parlamentares, magistrados e quejandos, não temos auxílio nem pra ir morar no
cemitério? Depois reclamam que o conceito “sociedade de classes” é coisa de
comunista.
Não sou somente eu a me preocupar com esses
disparates à brasileira. O diretor da Faculdade de Direito do Recife Francisco
Queiroz, que foi desembargador no Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região,
entrou com uma ação, que ele qualifica como provocativa, no Supremo Tribunal Federal
(STF) solicitando que o auxílio moradia seja considerado como remuneração e
assim pago também aos magistrados inativos. Queiroz é um dos juristas que
participaram da defesa da ex-presidente Dilma Roussef, atropelada por golpistas
dos três poderes, no vergonhoso processo de seu impeachment.
A provocação a que ele se refere é para que o
STF se pronuncie sobre os penduricalhos usados hoje para aumentar os salários
dos membros do Poder Judiciário para além do teto constitucional de R$33.763
(eu acho é pouquinho, como dizem, no Carnaval, os filhos da turma do olindense
Eu Acho é Pouco). Informa o jurista que tem aí nos tribunais desembargador
recebendo R$60 mil, R$70 mil com “essas invenções indenizatórias, que são
irreais”. E que o Ministério Público, “para outras coisas tão rigoroso”, também
é beneficiário de penduricalhos.
Nenhum poder escapa da cultura golpista do
nosso país. Militares podem por seus generais como presidentes e fica por isso
mesmo. Congressistas fazem a farra às nossas custas e sacramentam golpes.
Magistrados também facilitam golpes e arbitrariedades. Aí por 1947 (“meninos,
eu vi”), duramente pressionado pelo governo dos Estados Unidos, o STF cassou o registro
do Partido Comunista Brasileiro (PCB, o chamado Partidão, e não a dissidência
do PCdoB que veio aí por 1962), e os mandatos de dezenas de senadores, deputados
federais e estaduais, vereadores eleitos por essa legenda. Basta lembrar isso.
Acredito que, enquanto o Brasil não tiver
direito (nunca lhe reconheceram esse direito) a uma Constituinte exclusiva,
composta por juristas e outras personalidades acatadas pela sociedade e não pelos
políticos profissionais viciados de sempre reunidos em congressos constituintes
(sem falar das constituições outorgadas), esses e outros vícios que brotam da
nossa história e cultura colonial, escravista, latifundiária, rentista,
resumida na expressão “lavar a burra”, não serão extirpados.
A coisa não é fácil. Após 21 anos de uma
brutal e incompetente ditadura, nascida de um golpe civil-militar, tentou-se
isso mais uma vez. Havia até um texto básico produzido pelo jurista Afonso
Arinos para servir de plataforma às discussões dos constituintes. Os Sarneys,
ACMs e outros aproveitadores e saudosistas da ditadura não podiam permitir que
seus privilégios fossem rifados por uma democracia autêntica. Aí veio a “redemocratização”
fajuta que tivemos, temerosa do fantasma dos militares e que confirmou a
anistia impossível de torturadores, sequestradores, assassinos (aqueles que
matavam sem ser na luta armada). De qualquer maneira, eram assassinos, pois foram
eles que derrubaram a Constituição de 1946 (bastante boa) porque a Senzala
estava obtendo alguns poucos progressos sociais. O resultado de 1988 foi uma
Constituição que não merece o respeito nem de seus autores e que virou colcha
de retalhos de tanta emenda casuística.
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