segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A RENTÁVEL INDÚSTRIA DO ENSINO PRIVADO BRASILEIRO

Quanto ao que falei na postagem passada, garanto que não tenho nada contra a existência do Galo da Madrugada; só gostaria que fosse apenas “um bloco a mais na vida singular” (como reza aí um frevo, não lembro qual). Inclusive gosto muito do seu, digamos, hino: “Ei, pessoal, ei moçada, o Carnaval começa no Galo da Madrugada”. Acho que, com sua pretensão de hegemonia e de uma grandeza forjada junto ao poder político, o bloco atropela tradições carnavalescas recifenses e fecha uma ponte vital para a mobilidade urbana por uma semana.
Ainda sobre o tema Carnaval, trago pra vocês um trecho do artigo semanal de José Teles “Curto e Grosso” (Jornal do Commercio) sem ser sobre música, coisa de que ele entende como ninguém: “Tríduo, ninguém ignora, é do tempo em que um Carnaval durava três dias. Agora dura três meses, começa em dezembro e desembesta até fevereiro”. É outro mal que fizeram ao Carnaval. Antigamente era o assim dito tríduo momesco. Aguardava-se o ano inteiro, chorava-se na “quarta-feira ingrata”. Até os soldados americanos que inundaram o Recife nos fins da 2ª Guerra Mundial perguntavam espantados na quarta-feira: Por que não mais Cecília? Era uma marchinha da época.
His dictis, como diziam os romanos, ou dito isto, passo a conversar outras coisas com vocês. Fico sabendo pelos jornais que os donos de estabelecimentos de ensino privado estão se esbaldando com o Fies, o fundo de financiamento criado, antes do golpe pseudoconstitucional, para estudantes cujas famílias não têm renda para pagar universidades privadas. Empurram as mensalidades dos bolsistas ao infinito.
Geralmente é de má qualidade o ensino ministrado nessas universidades, com exceção de algumas mantidas por entidades católicas e protestantes e pouquíssimas outras. Mas seus donos não se acanham de empurrar as anuidades para as alturas com o olho no Fies. Na França, na Alemanha, as melhores universidades são públicas e gratuitas. Nos Estados Unidos, as melhores são mantidas por fundações privadas, cobram caro, mas oferecem um ensino de primeira qualidade.
Aqui, desde que o sábio ministro-coronel Jarbas Passarinho, pau pra toda obra da ditadura, decidiu escancarar portas e comportas para o ensino privado, numa Pindorama em ordem unida, a coisa virou negócio dos mais lucrativos. Qualidade que é bom não precisa. Há faculdades e cursos que nem têm autorização do MEC e, quando uma turma completa todos os períodos, fica no olha veja. Aí é a hora de os felizes proprietários da boquinha chantagearem as autoridades por reconhecimento.

Para a gestora de investimentos Squadra, “Desconhecemos, no cenário atual da economia brasileira, indústria que esteja conseguindo repassar preços a seus clientes nessa magnitude, sob condições normais de mercado”.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

E O BLOCO DA SAUDADE ASSIM RECORDA TUDO O QUE PASSOU

O país, ou melhor, algumas cidades do Brasil mergulham no Carnaval sem nem se lembrar do estado quaresmal que atravessamos. Carnaval é muito bom, ótimo até, mas aos poucos foi perdendo suas características de festa popular para virar espetáculo para inglês ver (uma expressão nordestina dos tempos em que capitais ingleses prosperavam por aqui, sobretudo na velha Great Western Railway).
No Rio, quase nada mais restou dos antigos desfiles da velha Praça Onze. As grandes escolas de samba adotaram um desfile estilizado e cheio de regras, que só é acessível a quem tem dinheiro para frequentar o Sambódromo. Em Salvador também foi oficializado com apropriação por poucos. Tanto em uma como na outra cidade, pra você ver um Carnaval popular e espontâneo tem de buscar alternativas fora dos circuitos oficiais. Por exemplo, no Catete, na Lapa (Cidade Maravilhosa), ou em bandas e cordões que continuam preservando a espontaneidade. Em São Paulo, o Carnaval se carioquiza cada vez mais. Tem até Sambódromo.
Das grandes cidades, o Carnaval que ainda conserva alguma espontaneidade é o do Recife, com o irmão gêmeo olindense, por ser mais culturalmente diversificado, com frevo, samba, maracatu, caboclinhos etc. Mas a Rede Globo está cuidando de “globalizá”-lo. É assim que vão esquecendo os velhos blocos, como Batutas de São José, Bloco das Flores, Madeiras do Rosarinho, Inocentes do Rosarinho, e os blocos líricos mais modernos, como o Bloco da Saudade, o Cordas e Retalhos.
De repente, apareceu um tal de Galo da Madrugada, que tem todo o direito de aparecer, madrugar, cantar e vadiar; mas, com influência junto a quem manda, mas desconhece tradições, autopoclamou-se o maior bloco do mundo e tomou conta de um espaço exagerado, físico e cultural. Aquele galo enorme ali na ponte Duarte Coelho, “na contramão, atrapalhando o trânsito”, é ridículo. Eu acho.
O meu Carnaval era mais nos acertos do Bloco da Saudade, em geral na AABB. Hoje, se eu for pular, mesmo de bengala, caio logo. Ali nunca vi uma briga, apesar da grande afluência de foliões, onde se encontram não só coroas, mas também seus filhos e filhas adolescentes. Pode-se encontrar ali gente como Padre Edvaldo, o querido pároco de Casa Forte, Capiba, Marcel Morin, aquele cônsul da França em priscas eras que, de tão pernambucanizado, virou Marcelo Amorim. Quando o encontrei no Bloco da Saudade, tinha vindo rever o Recife que tanto amava. Agora não se pode mais vê-lo, por enquanto, porque encantou-se. Era sócio do Madeiras, venerava as mulatas; e, last not least, providenciou a ida para a França de muitos esquerdistas na triste quadra de 1964.

A indústria do turismo industrializou o Carnaval, como industrializou até o São João e suas tradicionais quadrilhas, mas a gente pode, e deve, continuar lutando para preservar ao menos algumas tradições. Creio que quem não cultua e preza o bom do passado não tem futuro, além de ter um presente meio fuleiro.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

MORAES ESTÁ NUM SUPREMO COERENTE COM SEU PASSADO NO REGIME MILITAR

Mais uma vez vitimado pela privataria tucana, mas eis-me aqui com vocês.
Hoje vou presentear-lhes com o discurso de Raduan Nassar, em agradecimento pelo Prêmio Camões de 2016, concedido pelos governos de Portugal e Brasil, uma das maiores honrarias da literatura de língua portuguesa. Talvez alguns de vocês não o tenham lido na íntegra. A sumidade cultural Roberto Freire, poço de sabedoria, ministro da área, estava presente e engoliu tudo, não sem protesto.
“Tive dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro ter sido contemplado no berço da nossa língua.
Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e meios acadêmicos lusitanos. Portanto, Sr. Embaixador, muito obrigado a Portugal.
Infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil. Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos Estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua. Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes.
Com curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima inclusive por uma incontinência verbal assustadora, de um partidarismo exacerbado. Há vídeo atestando a virulência da sua fala. E é esta figura exótica a indicada agora para o Supremo Tribunal Federal.
Os fatos mencionados configuram por extensão todo um governo repressor: contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim. Governo atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração de riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo inteiro.
Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado, pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.
Prova de sustentação do governo em exercício aconteceu há três dias, quando o ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas, acolheu o pleito de Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única delação, o ministro Celso de Mello garantiu, com foro privilegiado, a blindagem ao alcunhado ‘Angorá’. E acrescentou um elogio superlativo a um de seus pares, o ministro Gilmar Mendes, por ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo Dilma. Dois pesos e duas medidas.
É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados e réu na corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Roussef. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado.
O golpe estava consumado! Não há como ficar calado. Obrigado.”

PS – O ínclito Alexandre de Moraes, tucano de imenso bico, a serviço do Santo (governador Alckmin), plagiador, inculto, de fala envenenada, responsável por massacres em presídios por não haver atendido a pedidos de governadores, apontado por ligação com o crime organizado, e mais vários etcs. negativos, já está sacramentado no STF, por um Senado risível e atolado em acusações de corrupção.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

AMÉRICA DO SUL PODE ENCONTRAR FORÇAS PARA COMPLETAR EMANCIPAÇÃO

No tempo em que morei na Europa, ouvi muitos comentários sobre o atrelamento do Brasil à política e aos interesses dos Estados Unidos. Naquela época, eu não era politicamente conscientizado como hoje. Aliás, como estrangeiro, nem podia participar da política estudantil. Voltando ao nosso país, decidi fazer vestibular pra alguma coisa. Escolhi direito e ciências sociais, mas o que eu queria mesmo era fazer política; nem terminei aqueles cursos. Era o tempo pré-golpe; muito animado politicamente. Fiz política ligado à União da Juventude Comunista (UJC), uma política bem aberta.
Foi quando alguns dissidentes começaram a se desgarrar do Partidão (PCB) terminando por criar uma dissidência a que deram a designação de PCdoB. Partido Comunista do Brasil era o nome do Partidão até que o Supremo Tribunal Federal, seguindo ordens de Washington, pôs a agremiação na clandestinidade e cassou os mandatos de dezenas de senadores, deputados, vereadores; uma carnificina política. O argumento dos altos (!?) magistrados foi que o partido não era brasileiro, apenas do Brasil, uma entidade internacional.
A dissidência do PCdoB veio com três quentes e um fervendo, para usar uma expressão das antigas. Ressuscitou o stalinismo, condenado em congresso do PC da URSS por Nikita Krustchev, aí por 1956, e defendia um comunismo ultra como o praticado na época na Albânia e na China. Chegado o golpe, decidiu fazer guerrilha na selva, levando dezenas de jovens idealistas à morte certa. Enquanto o Partidão, sabiamente, nunca aderiu à luta armada, certo de que garotos e garotas inexperientes não tinham condições de vencer um exército forte, bem armado e treinado pelos EUA. Mesmo assim, quando não tinham mais a quem torturar e matar, os “revolucionários” partiram pra cima do PCB.
Um esclarecimento. Reitero que minha política comunista certamente se abastecia em Marx, mas o comunismo como o vejo é aquele do livro dos Atos dos Apóstolos, comunismo mesmo e não mero estatismo.
Aquelas observações que me incomodavam na Europa, que se agravaram após o suicídio de Getúlio, demoraram a fazer parte do passado, mas, já no século 21, a situação começou a mudar até o ano passado, quando a golpearam. Em outros países da América do Sul e Caribe, alguns líderes nacionalistas também tomaram iniciativas no sentido de defender os interesses de seus países e guardar uma distância regulamentar do “grande irmão do norte”, certamente grande, mas nada irmão.
O mais notório foi Hugo Chávez, com sua veneração pelo grande libertador Simón Bolívar. Sofreu um golpe clássico dos EUA, que mal durou dois dias e ele foi reinstalado no poder. Algo impensável nos tempos áureos de exportação de golpes por Washington. Mesmo doente, ele não soube preparar um sucessor à altura e a coisa piorou com a queda no preço do petróleo. Seu sucessor Nicolás Maduro não tem o seu carisma. De todo modo, os EUA ainda não conseguiram aplicar-lhe um golpe clássico nem aquele novíssimo golpe pseudoconstitucional que já derrubou presidentes populares em Honduras, Paraguai e Brasil.
Esses países recaíram num neoliberalismo démodé e não apoiado pelo eleitorado. Na Argentina, devido à sua grande inabilidade política, Cristina Kirchner não conseguiu eleger seu sucessor. O que venceu as eleições lá governa como um Temer eleito. No Equador, tudo indica que um governo popular vai prosseguir. E o pequenino e valente Uruguai continua dando lições de democracia a esta nuestra Latinoamérica.

Com o atabalhoado Pato Donald desmanchando os acordos comerciais costurados por Obama, a América do Sul pode encontrar mais forças para completar sua emancipação em relação aos EUA e outros países ricos. E no Brasil, com o golpe fazendo água, é possível que voltemos a uma política externa de acordo com nossos interesses. Serra, Aécio e o Santo (Alckmin) terão que ficar chupando os dedos e tramando o próximo golpe, com a indispensável assessoria daquele sociólogo sem discípulos. Quanto ao golpista e incompetente Temer, resta-lhe o Inferno de Dante: “Nel mezzo del camin di nostra vita, mi ritrovai por una selva oscura, che la diritta via era smarrita” Uma selva escura, perdido o caminho. Não merece pena. Ele amealhou muito dinheiro e tem boas aposentadorias.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

A DIREITA ESTÁ SEMPRE PREPARADA PARA DAR O BOTE. ÀS VEZES PERDE, MAS, QUANDO GANHA, JÁ CHEGA COM PROGRAMA PRONTO

É impressionante como a direita está sempre preparada para tomar e ocupar o poder, com golpe ou sem. Esses caras que estão aí sem nenhuma legitimidade, sem votos, sob a batuta de Eliseu Padilha (tem quem o chame de Eliseu Quadrilha), não assaltaram o poder só para usufruí-lo e se divertir. Sabem muito a que vieram. Em poucos meses, já conseguiram desmontar muita coisa boa construída nos últimos governos eleitos pelo povo (não estou dizendo que não tenha havido coisas más).
A Petrobras está sendo rapidamente fatiada para ser entregue a capital estrangeiro, pondo fim à brilhante campanha de “O petróleo é nosso”. Desmancharam a participação obrigatória da Petrobras no pré-sal. Venderam a Petrobras Distribuidora por um quarto do seu valor. E lá vem mais.
As grandes empreiteiras nacionais foram escolhidas para pagar os pecados de cinco séculos de corrupção endêmica. Não estou afirmando que os empresários responsáveis por tanta grossa propina não devam ser punidos. Mas, qualquer país que se preza continuaria apoiando companhias que são das melhores do mundo em diversas tecnologias. Perguntar, dizem, não ofende. Por que a República de Curitiba não indicia, julga, prende tantos figurões de direita apanhados em falcatruas (por enquanto só acusações bem fundadas), como Aécio Neves, Geraldo Alckmim, José Serra e outros tucanões de grosso bico?
E por que os trabalhadores, para cuja proteção Getúlio Vargas legou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vão ter que pagar em lugar daqueles que afundaram o país, especulando em vez de investir, mandando dinheiro para o exterior etc. Aposentadoria agora só quando o cabra ou a cabrita morrer.
Os golpistas não esqueceram de desmontar a TV pública em gestação. A TV Brasil perdeu bons programas, para gáudio do Grupo Globo. Só falta agora o slogan “TV Brasil, a TV do Brasil” ser abocanhado pelos irmãos Marinho.
Os bancos públicos estão em processo de desmonte e, consequentemente, o financiamento das indústrias, da economia nacional, míngua. Breve, se não houver uma reação, voltaremos a ser um país de exportação apenas agropecuária.
Vocês já pararam pra pensar como os Estados Unidos cresceram e viraram uma superpotência mundial? As primitivas colônias começaram a ser implantadas no século 17, um século depois do início da colonização do nosso país. Rapidamente prosperaram, rejeitaram a exploração da Inglaterra e, já no século seguinte, estavam independentes, com uma Constituição que dura até hoje, e não é colcha de retalhos como as nossas, e uma democracia que tem seus buracos negros, mas serve pro gasto. Para o resto do mundo, é verdade, exportam golpes e tropas que não foram chamadas. Um buraco negro, por mau exemplo: na última eleição presidencial, Dona Hilária recebeu muito mais votos populares que o Pato Donald, mas este ganhou nos colégios eleitorais. Pode? Ora, direis, eles discriminam os afrodescendentes e praticamente dizimaram seus índios. Nós também ainda discriminamos e só não acabamos com os índios porque não deu tempo. Eles se esconderam em florestas então inacessíveis e deu tempo assim de aparecer um Rondon, que começou a por fim às caçadas de indígenas.
No século 17, os holandeses haviam tornado o Recife uma das cidades mais civilizadas do mundo, livre da Inquisição e com boa convivência entre protestantes, judeus e católicos romanos. Podemos imaginar que, se Maurício de Nassau não tivesse sido obrigado a pedir o boné, porque achava cultura importante e seus patrões da Companhia das Índias só queriam lucro, nossa capital e uma boa parte do Nordeste não teriam recaído nos autos de fé da Inquisição. É bom lembrar que alguns dos judeus que não quiseram ficar aqui esperando as fogueiras se juntaram a patrícios holandeses para fundar Nova Amsterdam, hoje Nova York. Fomos, no Brasil, vítimas da decadência da Península Ibérica, isolada da Europa e forçada, por Fernando e Isabel de Castela, a adotar a Inquisição como novo Evangelho. Portugal teve de acompanhar a Espanha, por seu isolamento. Essa decadência durou até o século 20, quando caíram as ditaduras de Franco e Salazar.

Todos os países que alcançaram uma posição de destaque no mundo são nacionalistas e protegem sua economia. No Brasil, nacionalismo e proteção econômica são palavrões.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

NA ÁREA DO TRANSPORTE PÚBLICO, O POVÃO NÃO É BEM TRATADO. E NÃO SÓ NESSA ÁREA

Não se pode dizer que o Recife seja uma cidade bem governada. E ao dizer isso, não estou com nenhuma implicância com um prefeito que não ganhou meu voto. E a gente pode até simpatizar com um eleito em quem não votou e até apoiá-lo em alguns pontos. Eu, por exemplo, não votei em Jânio, um demagogo desmiolado, em 1960. Votei no Marechal Henrique Lott, um militar dos mais nacionalistas e que não era um candidato dos militares. Se ele houvesse ganhado, tenho certeza de que não aconteceria a barbaridade de 1964-85. Mas quando Jânio passou a adotar alguma independência em política externa, condecorou Che Guevara, criou distância em relação ao corvo Carlos Lacerda, passei a vê-lo com melhores olhos. Talvez, vejo hoje, as coisas boas que fez se originaram em pura maluquice.
Não durou muito e ele tentou dar um golpe que não deu certo. Ele voou de Brasília para a então base aérea de Cumbica (SP), mas os militares demoraram a apoiá-lo e o Congresso aproveitou para livrar-se dele rapidamente. Aí veio a briga pela posse do vice João Goulart e a rede de resistência organizada por Leonel Brizola. O golpe foi adiado por três anos. Jango não calculou o tamanho do ódio que os militares lhe votavam desde que, como ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, dera um aumento de 100% no salário mínimo. Também não teve coragem de resistir ao golpe.
Mas voltando ao início, repito que o Recife continua pior que as cidades europeias em que morei uns 60 anos atrás. Leio hoje no Jornal do Commercio uma reportagem de Roberta Soares sobre a faixa azul. Nela só podem, teoricamente, circular veículos de transporte coletivo, ora os BRSs (ligeirinhos), ora ônibus comuns. Os ligeirinhos penam, não só com a invasão da suas faixas por motoristas de superior educação, mas ainda porque suas estruturas nunca foram concluídas. A verba deve ter se transviado por aí. Cientes daquela superior educação de que falo, as autoridades já poderiam ter tomado há muito uma providência simples colocando ali aqueles famosos pardais. Quando o bolso é atingido, o caminho da educação é reaberto, mesmo sob muxoxos.
Há alguns dias eu estava com um amigo diante de um belo edifício em Boa Viagem. Na frente do prédio passa um canal fétido. Ele, que mora há uns 50 anos em Nova York, mostrou-se incomodado, claro, e eu lhe lembrei que até condomínios de luxo por ali mandam seus esgotos para canais e para a praia.

Voltando ao trânsito e à péssima qualidade do nosso transporte coletivo. Tome repetição. A impressão que fica é que um bom transporte urbano e metropolitano não está na agenda de nossas autoridades, a não ser em época de campanha eleitoral. Até quando assim será ninguém sabe. O que se sabe é que, na maioria dos casos, a pessoa, antes de pegar um transporte coletivo (inclusive o metrô, que dá certo em todo canto, como no passado deram certo bondes, ônibus elétricos, trens, tudo sacrificado à politicagem), tem de deixar a dignidade em casa ou guardá-la no bolso. Não há transporte suficiente, filas e horários se espicham, as unidades são mal conservadas, os motoristas, certamente mal pagos, não respeitam os usuários. E, finalmente, a prioridade de quem manda é para os carros particulares, que tornam um bom trânsito impraticável. Para os demagogos que pululam por ai, o povão definitivamente não merece ser bem tratado. Somente na hora de comprar-lhe, ou algo semelhante, o voto.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

MESMO SEM EMBAIXADA AMERICANA EM WASHINGTON (?!), PODERIA HAVER GOLPE

Diante da efervescência ultradireitista de grande parte dos americanos, à frente seu novo presidente, seria possível um golpe nos Estados Unidos? Já foi dito que nesse país não há golpes de Estado porque ali não existe embaixada americana. E um ex-presidente mexicano como hoje não se fazem mais, Lázaro Cárdenas, pelo final dos anos 1920, lamentou-se: “Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos!” Ele ousara nacionalizar o petróleo, para desespero da Exxon e irmãs, e arrostava a ira do grandão do norte. Quem sabe, Washington não iria abocanhar o resto do México? Já incorporara mais da metade.
Bem. Golpe de Estado ainda não houve ali, mas outras coisas feias acontecem e aconteceram. Por exemplo, sua democracia é vendida aos incautos como a mais perfeita do planeta. No entanto, a maioria dos eleitores pode escolher um candidato e os assim ditos colégios eleitorais dos Estados emplacarem outro. Como aconteceu nas eleições de Bush Filho e Pato Donald. E, na mesma noite do dia em que John Kennedy foi assassinado, uma queima de artigos levou para o além um dos assassinos, Lee Oswald, e o assassino deste. Oficialmente, como sacramentou a Suprema Corte, Oswald foi o único assassino e estamos conversados. O chefão do FBI, Herbert Hoover, que odiava os Kennedy, nunca foi incomodado. Mas suspeita-se que estava na trama.
Mais “democracia” e coisas feias. Pouco após o fim da 2ª Guerra Mundial, apareceu por lá um senador demente, MacCarthy, que organizou uma caça às bruxas de fazer inveja aos golpes da América do Sul. Inspirado pela guerra fria desencadeada com a morte de Roosevelt, que se encontrara algumas vezes com Stálin (da URSS) e desejava uma convivência pacífica com os comunistas, MacCarthy convenceu boa parte das autoridades de que os intelectuais em geral eram comunistas ou filocomunistas: escritores, artistas, professores, não escapava ninguém, a não ser que delatasse os companheiros. Um ancestral do juiz Sérgio Moro, também este formatado pela direita estadunidense. Antes de MacCarthy, durante a guerra, pacatos imigrantes japoneses, que só queriam um lugar ao sol, foram confinados em campos de concentração. Só faltaram as câmaras de gás.
O Pato Donald já declarou guerra a quase a metade da humanidade com aquele decreto, por ora cassado pela Justiça, que impede a entrada no paraíso (?!) estadunidense de muçulmanos de diversas procedências. Sauditas podem, ao menos até o dia em que aquele barril de pólvora explodir. Gente má, assim classificada no decreto trumpeano, são todos os nascidos no Irã, Iraque, Iêmen, Síria, Líbia, Sudão e Somália. Por enquanto. Muitos desses países foram destroçados por intervenções militares americanas. O caráter pseudorreligioso do decreto fica claro quando se sabe que nenhum natural desses países cometeu atentado terrorista contra os EUA. Entre os que seriam prejudicados estão professores, artistas, médicos, engenheiros; e cerca de 17 mil estudam em universidades estadunidenses.
Para o general Michael Flynn, assessor do presidente Trump para segurança nacional, o Islã é um “câncer”, um “movimento messiânico de gente má”. Se a Justiça continuar apoquentando o grande democrata Trump, um golpe poderia estar á vista. Vôte! Mesmo sem embaixada americana em Washington, DC.



PS – O sociólogo e jornalista Abdias Moura lança hoje às 16h, na Academia Pernambucana de Letras, da qual é membro, a quarta edição de sua importante obra O sumidouro do São Francisco (Tempo Brasileiro).

domingo, 12 de fevereiro de 2017

PRÁTICA ANTIGA E DELETÉRIA, A GRILAGEM ESTÁ SENDO LEGALIZADA PELO GOVERNO GOLPISTA

Além do morticínio de presos sob a guarda do Estado, agora voltam à cena os motins de policiais militares, que, por lei, não podem fazer greve. Arrastam-se dias e mais dias sem que nossas benditas (?) autoridades tomem uma providência saneadora. Como elas normalmente só pensam em politicagem, reeleição, privatização de verbas públicas, a sua obrigação de administrar bem o Estado, a cidade, o país valem apenas nos discursos grandiloquentes e demagógicos com que brindam a população. E agora, com um governo golpista, evidentemente ilegítimo e com autoridade apenas para rifar, desmontar e sucatear o nosso país, não se pode esperar nada de melhor.
Uma das últimas notícias em circulação confirmadas dá conta de pilantragem do ministro Eliseu Padilha (braço direito do governante golpista e brindado por supostamente más línguas com a alcunha de Eliseu Quadrilha). Acusado de grilagem, já usou a caneta e se prepara para mais no sentido de arrancar do Congresso (basta prometer certas benesses) mudanças na regularização fundiária e urbana em vigor. Quadrilha, perdão, Padilha, não precisa nem de lei, basta uma medida provisória (MP), essa excrescência usada abusivamente desde a tal “redemocratização”. No apagar do fatídico ano de 2016, o governo golpista publicou a MP 759, sobre regularização fundiária, créditos para a reforma agrária e “mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União”. Vale exclamação no final entre aspas.
Segundo explica o repórter Renan Truffi, o termo “grilagem” origina-se na antiga prática de usar grilos para “envelhecer” documentos forjados em certos cartórios com a finalidade de coonestar a posse de um terreno. Suspeitam alguns que o ínclito e ora indiciado Ribamar Sarney, que se apossou da Presidência da República após a morte de Tancredo Neves, na onda do medo de que os militares da ditadura repusessem o país em ordem unida, sim o soba do Maranhão teria grilado praticamente o Estado todo em que imperou por décadas.
Bem (ou melhor, mal), a MP 759 abre o caminho para que grileiros possam regularizar terras públicas invadidas. Num momento em que o próprio superministro Padilha estaria envolvido nessa prática, antiga e deletéria.

Vamos pedir a Nossa Senhora do O que nos livre para sempre de grileiros e golpistas. Será que teremos tal sorte?

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

LULA FOI BEM TRATADO POR UM POLICIAL DA DITADURA. E DONA MARISA MAL TRATADA PELO ÓDIO QUE MINA DAS REDES SOCIAIS

A privataria tucana me pregou mais uma peça. Mas vamos em frente.
Por falar em privataria tucana (leiam o livro com este título), aquele complemento da privataria, que nem o xogum Fernando 2º, também conhecido como FHC, teve coragem de fazer, vai sair com a assinatura do usurpador e golpista Temer. Os bens imóveis e outros das teles, que deveriam, por contrato, reverter ao Estado aí por 2022, e que já foram em grande parte torrados pelos grupos que as abiscoitaram, ficarão, os que já não foram apropriados indevidamente, com as felizardas abiscoitantes do reinado do brilhante sociólogo. Ao que tudo indica, a trama lesa-pátria visa à salvação da Oi, que tem acionistas na área golpista.
Mas o que eu queria comentar mesmo hoje é o desnudamento do maucaratismo tupiniquim por ocasião da agonia e morte da ex-primeira dama dona Marisa Letícia. O computador, a web e toda a parafernália daí decorrente que está à nossa disposição são ferramentas inestimáveis que chegaram às nossas mãos nestas últimas décadas. No entanto, logo apareceram os hackers, os vírus, os que utilizam as assim ditas redes sociais para extravasar seu ódio, rancor, frustração. O bicho homem é realmente um predador dos mais ferozes.
Há gente, e muita, que não perdoa o sucesso de Lula, o fato de um operário nordestino, chegado a São Paulo em pau-de-arara, haver chegado à Presidência, sido reeleito e feito sua sucessora (atropelada pelo golpe). Se fossem somente os realmente burgueses, capitalistas, que não são tantos, daria para entende no país do colonialismo mais predador, do escravismo, da Casa-Grande. Mas o que é pior é o aspirante ao alpinismo social. Pena para comprar uma casa, carro, mandar os filhotes para a Disneyworld, aparentar um status que não tem. E ainda se acha na obrigação de defender, com unhas e dentes, os interesses da burguesia. Ele que nem sequer um petit-bourgeois chega a ser.
Desde o momento em que se anunciou o AVC de dona Marisa, as benditas (e malditas) redes sociais não pararam de produzir excremento de ódio e preconceito. Claro que não todas. Tem gente sensata que as utiliza. Uns exigiam, na porta do hospital que a atendeu, que fosse para o SUS e se tratasse com médicos cubanos. E havia quem desejasse a morte da esposa de Lula, com muito sofrimento. Assim é demais.
Não se sabe por que o ínclito juiz Sérgio Moro, que vive em seminários e conferências em Harvard, Columbia (EUA) e é apontado como tendo relações com a CIA e o FBI, não aproveitou para mandar prender Lula no hospital Sírio-Libanês; como mandara deter Guido Mantega no hospital em que ele acompanhava sua mulher doente. Interessante que esses internautas desocupados têm uma indignação seletiva, que não atinge gente como Ribamar Sarney, Paulo Maluf, Alckmin (o Santo), Serra, o coveiro do pré-sal et caterva. Esses desorientados não pararam para pensar que a tensão criada, pela República de Curitiba, sobre o casal Marisa-Lula talvez tenha sido responsável pelo mal que acometeu a ex-primeira dama.
O jornalista Mino Carta (Carta Capital) escreveu um belo editorial na sua revista sobre a “Companheira Marisa”. Ele era amigo do casal desde as lutas sindicais de Lula no ABC. Fala da prisão de Lula em 1980, ordenada pela República da Ditadura (ainda não era a de Curitiba), “aos generosos cuidados  do delegado Romeu Tuma, que lhe propiciava lulas à dorée fornecidas por uma cantina próxima [ao DOPS] na hora do almoço. Todo dia, uma viatura da polícia ia buscar Marisa e os filhos e os levava em visita ao preso”.

Vejam só. Um delegado do DOPS paulista, a serviço da ditadura, teve mais sensibilidade que os que desejaram uma morte bem dolorosa para dona Marisa.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

O SUJO, O MAL LAVADO. E O GOLPE CONTINUA. ATÉ QUANDO?

Nesta segunda-feira 6, finalmente o “constitucionalista”/golpista Michel Temer nomeia para o STF o “constitucionalista”/golpista Alexandre de Moraes. Tutti buona gente, como dizem os italianos. O escolhido é tão incompetente que sete dos treze integrantes do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão consultivo da pasta da Justiça, renunciaram em protesto por tanta omissão. Lembremos que Moraes é tucano de convicção, ligado ao grupo paulista de Alckmin (o Santo das delações), Serra (o Careca) e outras preciosidades políticas.
Em um país com política minimamente organizada, Moraes já teria pedido demissão (ou nem teria sido escolhido ministro). Ou teria sido mandado embora desde as trágicas rebeliões de presos em Manaus, Boa Vista e Natal, que deixaram uma quantidade de mortos, sob a guarda do Estado, inimaginável em qualquer país civilizado. A ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo e do conselho Nacional de Justiça, andou olhando pessoalmente as coisas e não gostou. Representantes do Departamento Penitenciário Nacional estiveram no presídio roraimense palco de um dos massacres. O relatório produzido por esse órgão vinculado ao Ministério da Justiça, anterior ao massacre, destaca as péssimas estruturas físicas, a gestão prisional inexistente, a incapacidade dos servidores e a ausência de mecanismos e metodologias que deem condições para a recuperação dos prisioneiros. Naquela ocasião, o presídio tinha 2.300 presos para 1.200 vagas.
O desgoverno Temer, através de seu ministro, ora elevado ao STF como prêmio a tanto mérito (!), ignorou o relatório e advertências, além de recusar o socorro pedido pelo governo de Roraima. É aquela conversa do sujo e do mal lavado... Para a ONG Conectas, uma entidade que costuma monitorar presídios, existe uma tendência das autoridades de negligenciar os relatórios de visita a presídios, pois “muitos acham que maus-tratos e violência nas cadeias são normais por se tratar de cidadãos de ‘segunda classe, como se não houvesse urgência”.
Outra observação corriqueira é a de que não haveria tanta superlotação nas prisões se não ficassem ali mofando presos culpados de pequenos furtos e delitos não violentos. A privatização de penitenciárias, segundo opinião quase unânime, agravou o problema: quanto mais presos amontoados, mais os donos de empresas administradoras ganham.


PS _ Amanhã, dia 7, das 18h às 22h, haverá a 2ª Vigília da Esperança, promovida pelo Fórum Articulação de Leigos Cristãos, no Palácio dos Manguinhos. Comemoração dos 108 anos que Dom Helder faria. *** E depois de amanhã, dia 8, será o lançamento de Os olhos do dono, ficção de Paulo Caldas e Múcio Novaes, a partir das 19h, no Museu do Estado de Pernambuco. Vale conferir. O livro traz belas ilustrações em policromia de conceituados artistas plásticos.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

IRÃ ENTRE A TEOCRACIA LINHA DURA E UMA POSSÍVEL DEMOCRACIA

O Irã, que corresponde mais ou menos à antiga Pérsia, está de novo às turras com os Estados Unidos. Barack Obama e outros governantes haviam assinado um acordo com o país sobre o emprego de energia nuclear, que pôs fim a turbulências (o governo israelense estava louco para atacar o Irã) e retirou sanções econômicas contra Teerã. Mas o belicoso Donald Trump decidiu repor tudo em questão, sobretudo depois que o Irã testou um míssil balístico.
Em 1979, uma rebelião islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini, exilado em Paris, acabou com uma monarquia inventada por Reza Pahlavi, que se autointitulava xá, apesar de ser um plebeu sem nenhuma ligação com os antigos xás da Pérsia. Era apoiado pelos EUA e o Ocidente, de olho no petróleo iraniano, após a derrubada, por eles, do primeiro-ministro Mossadegh que havia nacionalizado companhias petrolíferas ocidentais. Que ousadia! Talvez a única vantagem do xá tenha sido permitir aos iranianos uma liberdade de costumes longe do comum em países muçulmanos.
A chamada Revolução Islâmica, entre outras mudanças, instituiu uma guarda para vigiar se as mulheres andam com ou sem véu, namoram em público, coisas assim. Claro que a Revolução azedou as relações com os EUA. O novo regime chegou a invadir e ocupar por muito tempo a embaixada americana. Aí vieram as sanções econômicas decretadas pela ONU. Vocês já notaram que a ONU só impõe sanções contra quem contraria os humores ocidentais? Já viram, por exemplo, alguma sanção contra Israel, que ignora todas as resoluções da organização (inclusive do seu Conselho de Segurança) e continua a tratar os palestinos como se responsáveis fossem pelo Holocausto?
Paralelamente ao que pode ser considerado um regime constitucional, com eleições e parlamento, existe um controle supremo sobre a sociedade feito pelos aiatolás, o que o torna em suma um governo teocrático, como o da Arábia Saudita. Essa dualidade ficou bem clara por ocasião do recente sepultamento de Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, ex-presidente da República. Houve comparecimento muito grande à cerimônia por parte daqueles que esperam que o regime teocrático linha dura possa ser reformado. Centenas de milhares de pessoas se reuniram em torno da Universidade de Teerã, pedindo inclusive a libertação de opositores como Mir Hossein Mussavi e Mehdi Karroubi, em prisão domiciliar, e dando apoio ao ex-presidente reformista Mohammad Khatami.
É importante anotar a opinião da líder estudantil que passou sete anos presa Bahareh Hedayat: “A popularidade de Rafsanjani é um sinal de que os iranianos ainda querem mudança e estão fazendo isso por meios legais e pacíficos”. Disse ela ainda que “Rafsanjani foi a última figura influente que os reformistas tinham no sistema de poder, alguém capaz de manter viva a esperança de reformas. O sistema tem de perceber que a maioria dos iranianos quer mudança e que esse desejo não vai desaparecer”.
O que podemos é torcer para que o Irã se democratize clareando o clima no conturbado Oriente Médio.

(Mais uma vez, ontem, fui atropelado pela “privataria tucana”.)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

SIM, NA EUROPA TEM TERRORISMO. E O TERRORISMO À BRASILEIRA

O caso do Brasil é uma opção pelo atraso mesmo, como eu lhes dizia na postagem anterior. Lembrava a vocês uma Europa que funcionava, e bem, sete anos apenas após a guerra de 1939-45, quando eu cheguei a Roma para estudar, desembarcando em Nápoles. Incrível como o porto dessa cidade abrigava uma grande quantidade de belonaves estadunidenses. Os EUA não ocupavam mais a península, mas tinham, na óptica deles, de cuidar para que a Itália não fosse dominada pelo Partido Comunista, fortão na época. Apesar da democracia reconquistada e de uma Constituição exemplar, que dura até hoje, a Democrazia Cristiana dominante (que não era assim tão democrata nem cristã) fazia das suas, usando a polícia para atacar e destruir comitês eleitorais comunistas. Quatro anos depois, vi cenas semelhantes na França, em Lyon, onde concluí a licenciatura em teologia na Université Catholique. Foi por ocasião da rebelião húngara contra a URSS.
Mas havia liberdade de imprensa (voltando à Itália). Todo dia, quando a gente ia para a Universidade Gregoriana, passava pela Via delle Botteghe Oscure, sede do jornal comunista L’Unità. Ironicamente, a universidade servia de abrigo a manifestantes perseguidos pela polícia, pois, pelo Tratado de Latrão, que criou o Estado da Cidade do Vaticano, alguns próprios eclesiásticos, inclusive essa escola com mais de 500 anos, eram considerados extensão do Estado papal. Era o Vaticano protegendo os subversivos... Falava eu, na postagem anterior, como tudo funcionava, apesar dos estragos da guerra. Vocês já imaginaram o Brasil em semelhante situação pós-bélica? Quantas décadas levaríamos para retomar a normalidade?
É que o nosso passado de colônia, capitanias hereditárias, latifúndio, escravidão, e uma história de golpes, ainda não foram superados, longe disso, apesar de algumas tentativas. A Casa-Grande continua firme e a Senzala tem mesmo é que reconhecer seu lugar, de acordo com nossas pretensas elites tão tronchas. Até quando? Como falei, já fazem mais de 60 anos que passei aqueles bons tempos lá no velho continente e ainda vejo por aqui um clima de guerra sem fim. Ninguém tem segurança. Bancos, ônibus, residências, comércio assaltados; assassinatos em proporções piores do que ocorre nas guerras da Síria e outras; ruas esburacadas, mal iluminadas e sem pavimentação; estradas da morte; quanto a ferrovias, vejam o Beleléu na última postagem; ensino público pior do que no passado; saúde pública negligenciada ao extremo; desemprego que aumenta o nosso índice de pobreza e mesmo miséria; políticos nababos que riem de nós enquanto tramam e executam seus golpes ... O que mais dizer?
Por que não fiquei lá? Arranjaria um emprego e continuaria os estudos. Meu saudoso amigo Irineu Guimarães arranjou logo dois, mas mandaram-no para o Brasil: correspondente do jornal Le Monde e da France Presse. Voltei para ser agarrado de mau jeito pelos golpistas de 1964, preso e demitido da antiga Universidade do Recife (hoje UFPE). Interessante que vi recentemente, em artigo no Jornal do Commercio, o consultor Fernando Dourado Filho, um cidadão do mundo, se perguntando por que não mora na Europa e sim em São Paulo.

Ora, direis, a Europa hoje é vítima de muito terrorismo. E o terrorismo à brasileira?