sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

E O BLOCO DA SAUDADE ASSIM RECORDA TUDO O QUE PASSOU

O país, ou melhor, algumas cidades do Brasil mergulham no Carnaval sem nem se lembrar do estado quaresmal que atravessamos. Carnaval é muito bom, ótimo até, mas aos poucos foi perdendo suas características de festa popular para virar espetáculo para inglês ver (uma expressão nordestina dos tempos em que capitais ingleses prosperavam por aqui, sobretudo na velha Great Western Railway).
No Rio, quase nada mais restou dos antigos desfiles da velha Praça Onze. As grandes escolas de samba adotaram um desfile estilizado e cheio de regras, que só é acessível a quem tem dinheiro para frequentar o Sambódromo. Em Salvador também foi oficializado com apropriação por poucos. Tanto em uma como na outra cidade, pra você ver um Carnaval popular e espontâneo tem de buscar alternativas fora dos circuitos oficiais. Por exemplo, no Catete, na Lapa (Cidade Maravilhosa), ou em bandas e cordões que continuam preservando a espontaneidade. Em São Paulo, o Carnaval se carioquiza cada vez mais. Tem até Sambódromo.
Das grandes cidades, o Carnaval que ainda conserva alguma espontaneidade é o do Recife, com o irmão gêmeo olindense, por ser mais culturalmente diversificado, com frevo, samba, maracatu, caboclinhos etc. Mas a Rede Globo está cuidando de “globalizá”-lo. É assim que vão esquecendo os velhos blocos, como Batutas de São José, Bloco das Flores, Madeiras do Rosarinho, Inocentes do Rosarinho, e os blocos líricos mais modernos, como o Bloco da Saudade, o Cordas e Retalhos.
De repente, apareceu um tal de Galo da Madrugada, que tem todo o direito de aparecer, madrugar, cantar e vadiar; mas, com influência junto a quem manda, mas desconhece tradições, autopoclamou-se o maior bloco do mundo e tomou conta de um espaço exagerado, físico e cultural. Aquele galo enorme ali na ponte Duarte Coelho, “na contramão, atrapalhando o trânsito”, é ridículo. Eu acho.
O meu Carnaval era mais nos acertos do Bloco da Saudade, em geral na AABB. Hoje, se eu for pular, mesmo de bengala, caio logo. Ali nunca vi uma briga, apesar da grande afluência de foliões, onde se encontram não só coroas, mas também seus filhos e filhas adolescentes. Pode-se encontrar ali gente como Padre Edvaldo, o querido pároco de Casa Forte, Capiba, Marcel Morin, aquele cônsul da França em priscas eras que, de tão pernambucanizado, virou Marcelo Amorim. Quando o encontrei no Bloco da Saudade, tinha vindo rever o Recife que tanto amava. Agora não se pode mais vê-lo, por enquanto, porque encantou-se. Era sócio do Madeiras, venerava as mulatas; e, last not least, providenciou a ida para a França de muitos esquerdistas na triste quadra de 1964.

A indústria do turismo industrializou o Carnaval, como industrializou até o São João e suas tradicionais quadrilhas, mas a gente pode, e deve, continuar lutando para preservar ao menos algumas tradições. Creio que quem não cultua e preza o bom do passado não tem futuro, além de ter um presente meio fuleiro.

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