Estou lendo um livro, gente, muito
interessante, que é o resultado de uma exaustiva pesquisa do professor David Kertzer,
das áreas de ciências sociais, antropologia e estudos italianos da Universidade
Brown (EUA). O scholar passou sete anos pesquisando nos arquivos do Vaticano e
em relatórios de espiões fascistas em altos níveis da Igreja Católica, para revelar
o papel crucial da Santa Sé na ascensão do fascismo na Europa. O livro de que
trato é O papa e Mussolini, traduzido
por Berilo Vargas (Intrínseca).
O papa e Mussolini? O que tem a ver um papa,
mesmo do modelo imperial dos velhos tempos como Achile Ratti (Pio11), com o
líder fascista Benito Mussolini? Muito, revela Kertzer. O que os uniu foi o
medo do comunismo. Medo também presente na conduta do seu sucessor Pio 12,
acusado de livrar uma boa quantidade de criminosos nazistas das garras da
Justiça.
Ambos, Mussolini e Pio 11, chegaram ao poder
em 1922. Ambos irascíveis, em muitos outros aspectos diferiam. Nenhum dos dois
acreditava na democracia e ambos abominavam o comunismo. Contaram um com o
outro para consolidar seus poderes e alcançar seus objetivos políticos. Desde a
unificação da Itália como um só país, em que tiveram relevante papel Garibaldi e
sua mulher, a brasileira Anita, o papado perdera o grande território que possuía
e ficara restrito ao Palácio do Vaticano. Mas, em 1929, a Santa Sé recuperou pequeno
território no Estado da Cidade do Vaticano (SCV na sigla em italiano; que
muitos leem como “se Cristo vedessi”; se Cristo visse). Resumidamente, o tratado
assinado pelo papa e o Duce faz as pazes entre a Santa Sé e o Estado italiano,
cria o Estado do Vaticano e dá ao papado uma boa indenização, com a qual foi
criado o famigerado Istituto per le Opere di Religione (IOR), que é o banco do
Vaticano e que o papa Francisco tenta transformar em apenas um instituto
financeiro. Entre os escândalos colecionados pelo IOR consta lavagem de
dinheiro da máfia.
O papa e Mussolini se entenderam para assinar
o Tratado de Latrão. Através dele, a Santa Sé recuperava autonomia política,
extensiva a alguns edifícios, como as basílicas maiores, a Universidade
Gregoriana e outros.No resultado de seu trabalho, o pesquisador mostra como Pio
11 foi crucial para que o Duce (título do líder fascista) instaurasse sua
ditadura e se sustentasse no poder.
Mais adiante, com a saúde abalada e próximo à
morte, arrependido do grande pecado, Pio 11 passou a atacar Mussolini, suas
leis antissemitas e sua aproximação com Hitler. Mas seus assessores na
liderança do Vaticano, como o cardeal Eugênio Pacelli (depois Pio 12) se
mobilizaram para evitar os prejuízos do rompimento entre a Santa Sé o regime
fascista.
Sou católico, mas não posso aceitar tanta
esculhambação.