O nosso país é realmente estranho. Uma dessas
estranhezas é que ele perde todas as oportunidades de redimir-se de aspectos feios
do seu passado histórico-cultural. Quando eu estudava na França e descobri, na
biblioteca do Curso de História, a tradução do livro de Gilberto Freyre Casa-Grande e Senzala (Maîtres et esclaves), aprendi muita coisa sobre o nosso
passado com aquela agradável literatura freyreana, que não chega a ser
sociologia nem antropologia.
A gente estudava história lendo os “feitos
heroicos” de Pedro 1º, da Princesa Isabel, de Deodoro. Nenhuma crítica, nenhuma
releitura. Não se podia ler GF no seminário, pois era visto como nefasta
influência, e fui descobri-lo em francês. Foi útil para mim, filho de senhor e
engenho (“coronel” Paulino Veloso de Andrade) e desde os 12 anos entregue à
doutrinação de padres nem sempre à altura de sua missão didático-pedagógica.
Depois tive acesso a autores mais críticos que GF. Em tempo: o “coronel”
Paulino era magnânimo, seus trabalhadores (hoje se chama boia-fria) dispunham
de terreno para plantar lavoura de subsistência e uma casinha pra morar.
Já adulto, decepcionei-me politicamente com o
assim dito “mestre de Apipucos”, quando ele aderiu ao golpe de 1964 e insistiu
por meses com os coronéis para fazerem uma devassa na Universidade do Recife
(hoje UFPE), onde eu trabalhava na equipe de Paulo Freire (peba, sem “y”). Terminei
preso e demitido por aquele marechal que não tinha pescoço e foi o primeiro da
longa série de ditadores de 1964 a 1985. Nem por isso perdi a admiração pela
literatura de GF.
Mais de 40 anos após a Lei Áurea, que, ao
contrário do que propunha Joaquim Nabuco, não incluiu reforma agrária para dar
subsistência aos africanos libertos, Getúlio Vargas a complementou de certo
modo dando direitos aos trabalhadores, depois consolidados na CLT. Pois não é
que o golpista adventício Michel Miguel Elias Temer Lulia resolveu, com seus
capangas, proclamar de novo a escravidão, como no genial Samba do Crioulo Doido, de Staniislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)?
O desgovernante dá sua contribuição para que Pindorama
continue sem redimir-se de um lamentável passado. Paralelamente, sabemos que
independente do usurpador, a escravidão prossegue firme país afora. Yes, temos
banana e também escravidão. Agora, digamos, mais “democrática”, pois afeta não
só afrodescendentes, mas também brancos pobres e sem instrução. Esse cenário é mapeado
e revelado pelo portal Observatório do Trabalho Escravo
(observatorioescravo.mpt.mp.br), que cruza dados de diversas fontes e regiões
de Pau Brasil. Mostra de onde partem os novos escravos e onde estão os redutos
de escravidão no campo e nas grandes cidades.
Viva o Brasil daqueles generais golpistas de
1964 e de Temer! Pra uns. Para a maioria, Fora Temer!
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